Montserrat Martins *
Jogos substituem guerras, na civilização, sendo as Olimpíadas portanto a maior festa simbólica para consagrar a evolução. Mais que superar recordes, celebram o grau de perfeição possível e não só da força ou velocidade, também da harmonia e beleza de movimentos. O que destoa de suas regras de convivência, como o doping, não é aceito nessa comemoração universal, para termos certeza que retrocessos não serão aceitos.
O instinto guerreiro primitivo que o simbolismo dos jogos quer substituir (ou canalizar para atividades sadias) persiste e aparece dos modos mais diversos. Sob forma de deslealdade, como as duplas sul-coreanas, chinesas e indonésias de Badminton, desclassificadas por resultados "arranjados". Ou de racismo, pelo qual dois atletas (um suíço e uma grega) já foram excluídos destas Olimpíadas. Ou de "ataque contra compatriota", uma nova modalidade, criada por ministro (brasileiro) que ironizou a ex-ministra (brasileira) que desfilou na Abertura, carregando a bandeira branca dos Jogos a convite do Comitê Olímpico. Tudo isso na primeira semana, desafiando o "espírito olímpico" que a civilidade quer construir.
Como entender esses "instintos primitivos"? O zagueiro suíço Morganella chamou os sul-coreanos de "mentalmente retardados" depois de perder para eles, o que torna fácil imaginar a razão do seu despeito. Já da triplista grega Voula Papachristou é mais difícil compreender seus motivos para ofender os africanos, dizendo no twitter que "com tantos africanos na Grécia os mosquitos do Nilo Ocidental vão comer comida caseira". Porque uma bela e jovem atleta diz algo tão grosseiro sabendo que em Atenas um homem morreu e mais de 180 pessoas foram infectadas por vírus potencialmente letal, transmitido por mosquitos africanos ? O meme "Freud explica" deve ter sido criado para situações assim.
Agora tentemos decifrar as declarações de Aldo Rebelo, segundo o noticiário: "A Marina Silva sempre teve boas relações com a aristocracia europeia", disse. "Não podemos determinar quem a Casa Real vai convidar, fazer o quê?", afirmou o ministro, no Hotel Ritz, onde a comitiva da presidente Dilma Rousseff está hospedada. Pois bem, analisando essa notícia, em primeiro lugar é irônico o próprio lugar onde o ministro estava no momento da sua pretensa ironia, tentando impingir "afinidades aristocráticas" a outrem. A bem da verdade o convite a Marina não foi dos ingleses, foi do COI (Comitê Olímpico Internacional) e segundo o COI, Marina foi convidada "por sua luta contra a destruição da floresta brasileira, enfrentando oposição política e o assassinato de seu colega Chico Mendes". Ela desfilou num grupo de nove personalidades que incluíram a Prêmio Nobel da Paz Leymah Gbowee, Muhammad Ali e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon.
Ciúmes, inveja, seriam sentimentos muito comuns para explicar um conflito que é político, com interesses maiores em jogo. O prestígio internacional de uma líder ambientalista coloca em risco a ideologia "neo-ruralista" de Rebelo que visa então descaracterizar a importância do problema ecológico. Não é à toa que ele que já postou no twitter "cadê o aquecimento global?", ironizando cientistas. Sua estratégia é tentar "desconstruir" conceitos científicos - os colocando em dúvida, tática antiga mas que ainda "cola" com alguns menos informados. E também atacar reputações de ambientalistas, tentando colocar em Marina, uma pessoa de origem popular - e que desperta empatia nas pessoas mais simples - um rótulo de ligada a "aristocratas", sem qualquer base real no que diz. À la Goebbels, repete o que inventa até que pareça verdade para os mais incautos, como aqueles ainda suscetíveis a votar em políticos que usam tais artimanhas.
Ao contrário dos jogadores de Badminton ou dos atletas racistas, Rebelo não foi "desclassificado" pelo Comitê Olímpico, porque não estava competindo. Sua modalidade de "ataque a compatriota" ainda não é reconhecida como esporte olímpico.
* Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.
Fonte: www.ecodebate.com.br