Jung Mo Sung *
O estudo "Os limites do crescimento" publicado, em 1972, pelo Clube de Roma foi um dos primeiros, se não o primeiro, estudo científico que impactou o mundo com a previsão da incompatibilidade entre a continuidade do crescimento econômico e da população e os limites dos recursos naturais. Hoje diríamos a insustentabilidade da nossa civilização diante dos limites do meio ambiente.
Isso significa que, por milhares de anos, a espécie humana teve um modo de vida que era sustentável. Isto é, o seu modo de vida não colocava em risco a sobrevivência do sistema social e da espécie humana. Isso basicamente por dois motivos: a) modo de produção com baixo impacto sobre meio ambiente; b) população humana relativamente baixa em relação aos recursos naturais. O aumento significativo da população mundial e do nível de produção e consumo no século XX e XXI alterou essa equação e agora enfrentamos sérios problemas ambientais e até mesmo da sustentabilidade da civilização na qual vivemos.
Alguns dizem que estamos diante da possibilidade do fim da espécie humana. Eu penso que, exceto por uma catástrofe de guerra nuclear, nós, os seres humanos, não temos capacidade de acabar com a espécie humana por nossas próprias ações cotidianas. Seria até muita pretensão da nossa parte pensar que temos todo esse poder! É claro que se nada de significativo for feito, enfrentaremos sérios problemas ambientais que gerarão graves problemas econômicos e sociais. Porém, se após uma profunda crise -incluindo aqui guerras por causa da água e outros bens naturais essenciais- a população mundial cair para, digamos, 500 milhões de pessoas (o que significaria a morte de 6,5 bilhões), não haverá mais problema de sustentabilidade. O número de sobreviventes será pequeno em relação à capacidade de natureza se refazer e de fornecer recursos renováveis.
A morte de toda essa gente seria, sem dúvida, algo terrível, e os pobres e os mais fracos seriam os primeiros a morrerem. Seria completamente inaceitável e injusto! Contudo, a sustentabilidade seria reestabelecida novamente. Assim como, a espécie humana viveu modos de vida ambientalmente sustentáveis por milhares de anos, apesar de eticamente injustas por causa de escravidão, servidão, exploração, patriarcalismo, etc.
Com tudo isso, o que quero apontar é que sustentabilidade é um conceito ligado ao funcionamento de sistemas (sociais ou não) dentro do seu meio ambiente: sistemas não sustentáveis não sobrevivem no tempo a não ser que reencontre um novo ponto de sustentabilidade. Não é um conceito do campo da ética, não serve de critério para julgar a justiça ou injustiça de sistemas sociais. Sustentabilidade é condição de possibilidade da existência de um sistema; discernimentos ético e teológico exigem critérios que vão além disso.
Nesses dias em que a mídia vai nos inundar com a discussão sobre a sustentabilidade, precisamos ficar atentos para não sermos cooptados pelo novo discurso dominante de sustentabilidade que, no fundo, procura manter a sustentabilidade do sistema capitalista. O Capitalismo pode manter-se sustentável sem deixar de ser injusto, sem deixar de ser insensível para com os pobres e excluídos. Em termos de cálculo puramente econométrico, a morte dos pobres até melhoraria o índice de sustentabilidade porque diminuiria a população e, consequentemente, o seu impacto sobre o meio ambiente.
A luta por sustentabilidade é necessária, mas por si só não é suficiente para construir um mundo mais justo e humano.
* Jung Mo Sung é diretor da Faculdade de Humanidades e Direito da Univ. Metodista de S. Paulo. Autor de "Sujeito e sociedades complexas", Vozes. Twitter: @jungmosung
Fonte: www.adital.com.br