Dionísia: mulher forte do Sertão

Jaime C. Patias

A história de uma mulher da roça, que completou 112 anos.

O povoado de Barreira - Pedra Vermelha, no interior de Monte Santo, a 300 quilômetros de Salvador, se reuniu no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, para celebrar os 112 anos de dona Dionísia, símbolo da resistência no sertão. A neta, Martinha das Neves Nascimento, se encarregou de resgatar a história da mulher mais idosa da região.

Dionísia Maria de Jesus, filha de Domingos Andrade e Ana Maria de Jesus, moradores da fazenda Serra do Lopes- Monte Santo, foi registrada no dia 8 de março de 1906; casou-se com José Jesus das Neves com quem teve 14 filhos (uma menina faleceu ainda pequena, outra faleceu já mãe e 12 filhos estão vivos).

Hoje Dionísia é viúva e vive com uma das filhas. Tem 102 netos vivos, mais ou menos 245 bisnetos e 46 trinetos. Ela teve uma vida muito difícil, chegando até a passar fome com seus filhos. Ela conta que na grande seca de 1932 já tinha três filhos e estava "com o barrigão" para ter outro. O marido José ia trabalhar de diarista na roça dos fazendeiros e com o dinheiro da diária no valor de R$ 2,00 contos de réis, comprava dois quilos de farinha. Enquanto isso Dionísia ficava em casa com os filhos sem ter nada para comer, só água. Então ela pegava as crianças, um machado, uma enxada e ia para a roça cortar ouricurizeiro, planta típica do sertão, da qual tirava o palmito e dava para as crianças comerem. Elas comiam o palmito, tomavam água e depois iam brincar, enquanto ela limpava a plantação de mandioca. Às 11h00 pegava o machado cortava o tronco do ouricurizeiro, levava para cima de uma laje, rachava e batia até soltar o bró, uma espécie de farinha. Depois voltava para casa com as crianças, mexia a farinha do bró no caco e fazia um bolo. As crianças comiam o bolo de bró até ficarem satisfeitas. À noite elas iam dormir sossegadas.

Quando o marido chegava à noite, perguntava: - "Cadê as crianças? Já morreram de fome?"
Ela respondia: - "não, já estão dormindo".
- "E o que comeram?"
- "Comeram palmito, bró e tomaram água e estão com a barriga cheia".
Então o pouco de farinha que José trazia ficava para o dia seguinte quando era servida com o pirão de caças.
Por isso Dionísia afirma que uma de suas filhas foi "gerada no bró, nasceu no bró e cresceu no bró".

Nesse longo período difícil, seus irmãos pegaram a estrada e foram para outras terras em busca de melhores condições, deixando para trás seus velhos pais. Mas ela falava confiante:
"Aconteça o que acontecer, eu não deixarei meus pais". E cuidou deles até o fim da vida. Ela afirma que ainda está viva porque nunca abandonou seus pais, enquanto seus irmãos já morreram todos, só tem ela para contar a história.

Para a neta Martinha das Neves, professora em Barreira, a avó Dionísia é uma grande mulher que enfrentou vários serviços para sustentar seus filhos, chegando até a trabalhar de diarista, limpando terra.
"Com toda essa garra, hoje ela nos transmite muita experiência de vida, amor e sabedoria. Digo isso porque aprendemos muito com seus exemplos, ela nunca frequentou escola, mas a escola da vida lhe ensinou muitas atividades. Foi uma grande artesã. Fazia redes, com algodão, fiava linhas e ela mesma tecia suas redes, uma de suas especialidades. Com o barro fazia vários objetos: panelas, potes, tigelas (aribés). Com a palha do ouricurizeiro confeccionava esteiras, sacolas e chapéus, o que até hoje faz com muita eficiência, só para dar de brinde a familiares e amigos. Outra função que ela exerceu por muitos anos, foi a de parteira, milhares de crianças nasceram com a ajuda dela, foram muitos partos, alguns deles em situação difícil, mas com ajuda de Deus, a medicina natural, suas orações e muita fé no Senhor do Bonfim e Nossa Senhora das Dores, santos de devoção, foi sempre bem sucedida. Ela também foi uma excelente benzedeira, nos casos de mau olhado e dores, era sempre procurada.

Por isso é muito bem merecida esse dia especial que Deus nos concedeu (seu aniversário). Além de ser mãe, avó, bisavó, trisavó, Dionísia é também a mãe de muitas crianças que ajudou a vir ao mundo. E com o passar de tantos anos ela ainda continua forte, bonita e lúcida, cheia de vida, o que chega a dar inveja em qualquer pessoa.

É por este motivo que hoje estamos aqui para agradecer e louvar por esta grande bênção. Que Deus lhe dê muita saúde para que viva ainda muitos anos e para nos dar essa alegria de estarmos juntos por muito tempo".

Certa feita, Dionísia, com um bebê ao colo foi pedir leite a um vizinho. Este negou e ela seguiu o seu caminho. Ao regressar, ficou sabendo que a vaca havia derrubado o balde com um coice. Esse fato negativo marcou a sua vida e gerou nela o extinto de solidariedade.

Contra um conceito vulgar do dom da vida, dona Dionísia é o símbolo da luta pela conservação geradora de muitas vidas. No sertão onde as dificuldades e o sofrimento são maiores, ela representa a mulher resistente, que jamais desiste.

 

Fonte: Revista Missões

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