A Santa Cruz e a devoção nordestina

Jaime C. Patias

Peregrinação marca Sexta-feira Santa em Monte Santo na Bahia

Visitar o Santuário da Santa Cruz de Monte Santo situado no topo da Serra do Piquaraça, a uma altitude de 490 metros acima do nível do mar, é indispensável no roteiro de quem visita Monte Santo, cidade a 300 quilômetros de Salvador, Sertão da Bahia.

Na madrugada da Sexta-feira Santa, às 4:30hs, o som da "matraca" (instrumento que substitui o sino na Semana Santa), anuncia o início da subida da cruz. Os peregrinos caminham com pegadas firmes. Seus passos vencem escadas de pedra que a natureza e a intervenção do ser humano esculpiram para facilitar a escalada.
"Estou aqui por que tenho fé. Peço que Deus nos dê coragem e paz para o mundo e saúde pra nós todos", explica dona Darci Gonçalves. Alguns metros acima, Paulo Henrique se apoia no muro de proteção para retomar o fôlego. Ele veio do Rio de Janeiro agradecer por uma graça alcançada. Um jovem acende velas no pé da porta de umas das capelinhas na beira do caminho. Duas crianças andam apressadas, sem se importarem com a respiração ofegante dos mais velhos. Centenas de pessoas, de todas as idades, algumas descalças, seguem a mesma direção: a Santa Cruz.

O percurso que inicia na Rua Senhor dos Passos, a 300 metros da igreja Matriz Sagrado Coração de Jesus, é composto por 25 capelinhas e igrejas, sendo a das Almas, a do Senhor dos Passos, a de Nossa Senhora das Dores e o próprio Santuário da Santa Cruz, as principais. Outras 15 capelinhas são dedicadas às estações da Via-Sacra. No meio do caminho, um monte de pedra simboliza a sepultura de Jesus. O conjunto é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Ministério de Cultura. As capelas abrigam a coleção de ex-votos ofertados por romeiros ao longo de dois séculos, imagens de devoção popular e quadros com pinturas alusivas às dores de Nossa Senhora e ao martírio de Jesus.

O lugar foi visitado pela primeira vez pelo frei capuchinho Apolônio Toddi, proveniente da região de Euclides da Cunha. Em 1775, o frei realizou uma procissão penitencial no cume do monte onde foi plantado um cruzeiro. À medida que subiam, os fiéis iam plantado cruzes de madeira a espaços regulares seguindo uma ordem. A primeira dedicada às almas, as sete seguintes representando as dores de Nossa Senhora e as catorze restantes, para lembrar os sofrimentos de Jesus. A partir de então o lugar passou a se chamar Monte Santo. Mais tarde, no lugar das cruzes foram construídas capelas e o Santuário.

Veneração
Em especial na Sexta-feira Santa e na festa de Todos os Santos, dia 1º de novembro, os fiéis se comprimem nas três voltas em torno do Santuário, em veneração à SS. Trindade. Apenas um pequeno espaço separa a parede do templo e o muro de contenção. Após acender velas e fazer orações, começa a procissão de descida com as Imagens de Nossa Senhora da Soledade, São João Evangelista e Jesus Morto. São levadas com devoção pelos irmãos da Irmandade do SS. Coração de Jesus, confraria ligada à Coroa Portuguesa. Hoje, em Monte Santo ela conta com 42 membros encarregados da limpeza do Santuário e da organização dos festejos na cidade.

Na descida, à frente vai a Cruz carregada há 45 anos pelo senhor Salveano Joaquim dos Reis, 64 anos. "Meu pai já carregava a cruz. É uma fé que tenho no meu coração e estou fazendo a vontade do meu pai Eterno. Já recebi duas graças para a minha família. Este ano peço muita paz e que Deus termine com a violência no mundo que está matando a nossa juventude, que acabe com as drogas e ilumine os passos de cada um neste país", pede o devoto.
Francisco Xavier da Silva veio da roça com a família para participar das celebrações. "A gente pede que Deus dê saúde a todos. Já fiz promessa e cumpri", fala aliviado.

Logo mais está Everaldo da Silva Santos, 30, com a Imagem de São João Evangelista. "Isso vem dos mais velhos, meu pai faleceu e agora eu carrego no seu lugar. Faço isso por prazer. Com certeza isso dá muita força e traz graças. A gente pede pra perdoar e para que os jovens sigam mais a religião", destaca enquanto passa a Imagem para os colegas. Dona Rogéria Zélia Santos, rezava o terço por que, segundo ela, "é o dia da crucificação do Senhor Jesus". Também ela pede saúde e paz para todos.

No pé do Monte, a procissão é recebida por uma bandinha e centenas de fiéis para percorrer as ruas da cidade. Além das cerimônias litúrgicas propostas pela Igreja para a Semana Santa, assolado por uma grave seca, o povo realiza várias procissões carregando imagens pelas ruas da cidade. A Sexta-feira Santa é o dia mais concorrido. Os momentos mais significativos são a procissão do Senhor dos Passos, o encontro de Jesus com sua Mãe, Nossa Senhora das Dores, o Cântico de Verônica em latim e o sepultamento do Senhor.

Páscoa jovem
Nestes dias, a cidade também acolhe a Páscoa Jovem, encontro promovido pelos missionários e missionárias da Consolata na Bahia e que reúne, este ano, 70 jovens de Salvador, Feira de Santana, Jaguarari e Monte Santo para uma experiência de Páscoa ao estilo juvenil.

A paróquia de Monte Santo conta com cerca de 140 comunidades espalhadas pelo interior do município e é assistida pelos missionários da Consolata, os padres Vidal Moratelli, Olivaldo Lima e Stanley Muriuki e o diácono James Mwaura.

Fonte: Revista Missões

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