Claudia Fanti, publicada na revista Adista Notizie
Aos 90 anos de idade, o missionário da Consolata Silvano Sabatini (foto), comprometido há 40 anos com os índios da Amazônia brasileira, tem realmente muito a contar: sobre a sua "vida 'rebelde' vivida no fio da navalha", sobre a sua corajosa, sofrida, estimulante, desestabilizadora "estadia junto ao Outro", sobre o sentido da missão, com todas as suas tensões, contradições e complexidades (em um momento, entretanto, em que a reconsideração da atividade missionária da Igreja parece ser mais do que nunca atual e urgente).
A reportagem é de Claudia Fanti, publicada na revista Adista Notizie n. 7, 20-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É, portanto, com o mais vivo interesse que se lê o seu livro-testemunho Il prete e l'antropologo. Tra gli indios dell'Amazzonia (Ed. Ediesse, 2011, 153 p.; para solicitar uma cópia, e-mail: ediesse@cgil.it), escrito em colaboração com a antropóloga Silvia Zaccaria, engajada há anos na condução de pesquisas de campo entre os índios da Amazônia brasileira (e autora do Posfácio Missionários, antropólogos e os deuses dos outros).
Um livro que, ainda no título, como destaca o superior-geral dos Missionários da Consolata, Stefano Camerlengo, "conjuga e harmoniza os dois espaços de busca, imprescindíveis e inseparáveis, aos quais todo missionário deve sempre fazer referência: o ser humano e Deus", de modo a "poder encontrar o ser humano buscando Deus" e "buscar o ser humano para poder encontrar Deus".
Um livro que, como afirma na introdução Antonino Colajanni, professor de antropologia social da Universidade La Sapienza, de Roma, "relata uma magnífica história de vida", a de um missionário "que se põe à prova, que se transforma com a experiência do contato intercultural, que tem coragem, tenacidade e força para lutar por aquilo que considera justo".
E a transformação de Sabatini não é de pouca conta, a partir do conceito, próprio da educação recebida, de um Deus "que só salva os pequenos cachos de uva que restaram depois da vindima", cachos dos quais aqueles índios sem batismo haviam sido excluídos, passando pelo "forte desdém" contra esse "Deus justiceiro" que havia criado o ser humano à Sua imagem para depois condená-lo, até a definitiva reconciliação com o Pai: "A ansiedade por entrevê-Lo nas suas múltiplas variações culturais - escreve Sabatini na conclusão do seu testemunho - me levou a me imergir com mais profundidade na dimensão sagrada indígena, à luz da qual eu podia interpretar a sua história coletiva e o meu percurso pessoal de salvação".
Um percurso em que a pretensão de ser "mestre da verdade" dá lugar à consciência de possuir apenas "alguns valores fundamentais, aos quais faltavam outros, complementares, que, com surpresa - explica Sabatini - eu descobria nesses índios". E é uma relação que, evidencia Zaccaria no Posfácio, "desencadeia, em ambas as partes, um impulso vital, um estímulo à mudança que significa, para uns, a reaquisição da sua própria memória histórica, para o outro, uma transformação que cura e salva, porque permite a plena realização do próprio ser humano (e, portanto, para Sabatini, do próprio ser padre)".
Assim se explica, em contraste com o "desastre cultural" causado pela orientação assimilacionista de missionários pouco iluminados, a novidade de uma ação como a do grupo de missionários de Catrimani (área interna da floresta amazônica no Estado de Roraima), centrada na elaboração de um "projeto político-teológico de emancipação", através da proteção da maloca, a casa comum, "como lugar histórico-social, mas também mítico-teológico da realidade indígena", da total aceitação do mito e do seu valor objetivo (por ser, como explica Silvia Zaccaria, "válido por si mesmo como dimensão fundamental e insubstituível na busca de significado, para o indivíduo e para o grupo, da sua própria razão de ser no mundo") e do reconhecimento da plena dignidade do papel do xamã, assim como da necessidade de "dar voz" diretamente ao índio, para que conte a sua verdade sem mediações e sem interpretações.
Um projeto que traz consigo uma visão radicalmente diferente de evangelização: "Jamais batizamos um yanomami - declara Sabatini -, porque estávamos convictos de que não tinha sentido batizar a pessoa fora da comunidade, e que é a cultura que deve ser evangelizada: o ser humano tem direito à sua cultura e deve encontrar nela a forma para se expressar de modo cristão. Batizar fora da comunidade significaria criar no batizado uma dupla personalidade".
Motivo pelo qual, conta Zaccaria, "Sabatini respondia assim àquele monsenhor ansioso para saber dele quantos yanomami ele havia batizado: 'Pela graça do Bom Deus, nenhum".
Fonte: www.ihuonline.unisinos.br