Lei Maria da Penha

Marco Passerin *

Cinco anos foram suficientes para provar que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) veio para ficar. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), desde sua sanção em 07 de agosto de 2006 até julho do ano passado, foram sentenciados 111 mil processos e distribuídos mais de 330 mil procedimentos de violação doméstica e familiar contra as mulheres. Além disso, foram realizadas 9,7 mil prisões em flagrante e decretadas 1.577 prisões preventivas de agressores.

A Rede de Enfrentamento a Violência contra as Mulheres também foi ampliada. Existem hoje no Brasil 70 juizados de violência doméstica, 388 delegacias especializadas, 193 centros de referência para tratamento das vitimas e 71 casas abrigo.

Números bastante baixos se levarmos em conta o tamanho da população brasileira, o tempo em análise e, sobretudo, a secular prática machista violenta. Bem significativos, porém, para um país como o Brasil acostumado à complacência de uma Justiça sempre parcial quando estava em jogo a honra masculina.

Essa lei acabou com as sentenças alternativas, mudou o Código Penal e permitiu prisões preventivas. Antes, um agressor era "condenado" a distribuir cestas básicas e ficava solto à espera de uma condenação que nunca vinha. Enquanto isso, ninguém livrava a mesma mulher de novas ameaças ou maus tratos por parte do mesmo agressor.

Quando de sua promulgação, não faltaram vozes discordantes sustentando a redundância desta lei. Afinal - afirmava-se - o código penal já contempla a possibilidade de punir os atos de violência contra qualquer tipo de pessoas, e em qualquer lugar, sem a necessidade de uma lei específica.

Ocorre, porém, que dezenas de milhares de mulheres, talvez mais, têm dentro da própria casa o seu maior inimigo: maridos, companheiros, pais, irmãos, até mesmo filhos, que praticam impunemente contra elas todo tipo de violências. E esses agressores têm como grande aliado o silêncio das vítimas, produto de uma cultura sedimentada por séculos que apregoa a submissão feminina e a lealdade ao grupo familiar a qualquer custo.
Uma coisa é certa, a simples existência de uma lei específica contra a violência doméstica está se tornando, aos poucos, elemento facilitador e incentivador para a denúncia e punição por esses maus tratos.

E tem mais. A particularidade da legislação facilitou também sua compreensão e divulgação, despertando, principalmente na área acadêmica, a expansão das pesquisas nas questões de gênero. Isso não deixa de ser um avanço na compreensão da feminilidade, em todos os seus aspectos tanto no âmbito familiar, profissional, como nas demais relações sócias. Sem esquecer que tudo isso implica em maior conhecimento menos empírico sobre a sociedade brasileira como um todo.

Todos sabemos, no entanto, inclusive os próprios legisladores, que muito ainda precisa ser feito. Não se trabalha a reeducação ou a ignorância de um povo acrescentando mais uma lei às tantas já existentes.
Acredito, no entanto, que a lei 11.340/06 poderá reverter, por bem ou por mal, os indicadores ainda assustadores da violência contra a mulher, num futuro bem próximo. O papel dos estabelecimentos de ensino em todos os níveis, das Igrejas e, não por último, os meios de comunicação, não deixam de ter sua parte de responsabilidade na "desconstrução" da cultura machista tão antiquada nesses tempos de pós modernidade.

O próprio ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, classificou a violência doméstica como um tema "delicado e grave", e cobrou mais debates sobre a aplicação do texto. "Ainda há muito preconceito na aplicação da Lei Maria da Penha e, por essa razão, é muito importante debatê-la nos seus termos e resultados, para que ela possa ser ainda mais eficaz na perspectiva do combate a esse ato odioso que é a violência contra a mulher", afirmou o ministro. Mesmo reconhecendo os inegáveis "bons resultados" que a legislação tem alcançado, o ministro reitera mas que é preciso combater o preconceito em relação à violência contra a mulher - inclusive entre autoridades. "Às vezes, vemos autoridades e pessoas em geral que tratam a violência contra a mulher como um ato banal, e não é um ato banal. É um ato que merece reprovação e, inclusive, uma reação social muito forte sempre que se consuma", disse.

* Marco Passerini é missionário comboniano.

Fonte: www.ecooos.org.br

Deixe uma resposta

20 + 16 =