Suicídios e as difíceis respostas

Egon Heck *

Fui visitar o amigo Kaiowá, Amilton Lopes, na Terra Indígena Nhanderu Marangatu, na fronteira com o Paraguai. Foi logo comentando que um vizinho seu, Arnaldo Savalo, de 30 anos, havia se suicidado, há três dias. Porém colocou uma pitada de desconfiança. "Ele estava assim ajoelhado encima da cama com a corda no pescoço e o peito machucado. Existem dúvidas se em alguns casos os aparentes suicídios não são a rigor homicídios. Porém isso acaba ficando para o rol dos mistérios que nunca serão esclarecidos. O fato é que os suicídios são, conforme a concepção Kaiowá Guarani, uma "doença-epidemia" que está fazendo cada vez mais vítimas. Falam sempre com certo constrangimento quando perguntados sobre o assunto. Preferem silenciar a respeito. Por esta razão os relatórios e estatísticas são sempre parciais e subestimadas. Conforme alguns estudiosos a média anual de suicídios entre esse povo, no Mato Grosso do Sul, fica em torno de cinqüenta casos. Os números registrados ficam sempre aquém do que de fato acontece. Nos últimos vinte anos, foram 517 suicídios, conforme órgãos oficiais.

O suicídio e a terra
É importante lembrar que Nhanderu Marangatu, município de Antonio João, é um exemplo do absurdo que acontece em termos de terras indígenas no Mato Grosso do Sul. Essa terra indígena, de 9.300 hectares foi demarcada em outubro de 2004. Em março do ano seguinte foi homologada pelo presidente Lula. Em junho do mesmo ano o então presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Nelson Jobim, cassou liminarmente a homologação. Veio em seguida o despejo da comunidade para a beira da estrada. Como o asfalto devia passar por onde estavam acampados tiveram que sair daí e ficar confinados em 127 hectares. Ali permanecem até hoje, em confinamento, com todo tipo de pressão, ameaças e violência. Nestes seis anos já aconteceram vários suicídios e 4 mortes por atropelamento.

Os suicídios entre os Kaiowá Guarani são extremamente preocupantes. Em meados da década de 90 houve um período em que esse fenômeno complexo de vertentes conjunturais e culturais, atingiram um pico alarmante. Foram encomendados estudos a respeito tentando identificar as causas e enfrentar a situação. Foi trazido um xamã da Finlandia para dialogar e refletir a respeito, com a população Kaiowá Guarani.

A situação é atribuída à contínua discriminação que sofrem os indígenas, enfrentando mudanças graves em seu entorno e violações sistemáticas de seus direitos. Isso gera sensação de impotência, falta de perspectivas e traumas individuais e coletivos, podendo levar ao suicídio como resposta aos problemas.

Das centenas de estudos e trabalhos acadêmicos e jornalísticos, históricos e religiosos realizados sobre o tema, são levantadas as inúmeras causas do suicídio, com uma grande convergência para uma realidade central - a perda da terra e os confinamentos.

Questão dos suicídios Kaiowa Guarani é levado à ONU
Indianara, jovem Kaiowá de Dourados, à Comissão Permanente da ONU com a difícil missão de mostrar e ajudar a entender e enfrentar um dos graves problemas que enfrenta seu povo: o alto número de suicídios.

Para a Unicef, o informe tem o objetivo de, ao prover informação sobre o problema, estimular os povos afetados a tentar encontrar soluções. Por outro lado, o estudo também se volta aos Estados, para que assumam suas responsabilidades na prevenção, redução do dano e erradicação do suicídio.

Nesses dois estados(Amazonas e Mato Grosso do Sul), responsáveis por 81% dos casos de suicídio registrados, as taxas são alarmantes. 32,2 suicídios por cada 100 mil indígenas, no Amazonas, seis vezes maior que a taxa nacional. No Mato Grosso do Sul, a taxa de 166 suicídios por cada 100 mil indígenas é mais do que 34 vezes maior que a média nacional.

Quando se passa aos números da população indígena jovem, a situação se agrava. São 101 suicídios por 100 mil indígenas no Amazonas e 446 suicídios para 100 mil indígenas no Mato Grosso do Sul. (Camila Queiroz, Jornalista da Adital - 19 de maio 2011).

"O alto índice de suicídio na tribo, sempre por enforcamento, atingiu o ápice em 2009, quando foram registradas uma morte a cada dois dias. "Até que uma criança de 8 anos se matou. Aí paramos para discutir", diz Nestor Verón...(ESP,21/05/11)

Dentre os difíceis caminhos para enfrentar essa desafiadora realidade os lideres Kaiowá Guarani são unânimes em afirmar que isso passa pela recuperação da terra, fortalecimento da cultura, valorização dos seus lideres religiosos, os nhandeeru-caciques, para voltarem a viver em paz e felizes.

* Egon Heck assessor do CIMI - MS.

Fonte: Cimi MS

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