Tudo está interligado (Um ratinho na fazenda)

Valter Ceccheti *

Certo dia uma senhora
Televisão assistia
Via o noticiário
O jornal do meio dia
No chão, brincando aos seus pés,
Seu neto se distraia

O menino que brincava
Também prestava atenção
Na notícia que passava
Dentro da televisão
Chovia muito na China
Uma grande inundação

Mas Vovó que China é essa?
De que o homem ta falando?
Não vejo nenhuma chuva
Nem se quer está pingando
Aliás, o sol tá quente
Eu estou até suando

A China meu garotinho
É um lugar bem diferente
Do outro lado do mundo
Fica noutro continente
De tudo que é país
É nela que tem mais gente

Mas vovó, se esta China
Tá no outro lado do mundo
Qualquer que seja o problema
Por mais que seja profundo
Não vou me preocupar
Com isso, nem um segundo

A vovó experiente
Percebeu na ocasião
O momento oportuno
De ensinar uma lição
E buscou tirar proveito
Daquela situação

Menino vou lhe contar
Uma história bem singela
Que aprendi lendo num livro,
De Mario Sergio Cortella,
Tem muito a lhe ensinar
Preste muita atenção nela.

Diz a história - É uma fazenda
Com bem pouca criação
Galinha, porco e vaca
Tinha muita coisa não
Uma vida bem tranquila
Numa enorme mansidão

Também tinha uma mulher
Senhora de meia idade
A que cuidava de tudo
Dona da propriedade
Amava a vida no campo
Pouco ia prá cidade

Entre tudo que havia
Também tinha outro bichinho
Muito esperto e sorrateiro
Só andava escondidinho
Também tinha na fazenda
Um pequenino ratinho

Mas o coitado do rato
Não era nada bem quisto
Roia por todo canto
Era odiado por isto
E a dona da fazenda
Já estava cansada disto

Do milho posto na tulha
O ratinho se fartava
Comida mal embalada
Ele logo aproveitava
Até a lata de lixo
O danado revirava

A dona que não gostava
Daquele comportamento,
Do ratinho que fuçava
Sempre atrás de alimento,
Decidiu um certo dia
Por um fim neste tormento

Levantou-se bem cedinho
Na estrada pôs-se à beira
Conseguiu uma carona
Que a deixasse na feira
E comprou numa barraca
Uma boa ratoeira

Voltou depois para casa
Satisfeita por inteiro
Co'o produto adquirido
Por muito pouco dinheiro
Pensando o melhor lugar
Talvez seja o celeiro

E assim é que foi feito
Tomando todo o cuidado
Escolheu pra ratoeira
Um lugar bem adequado
E uma isca bem cheirosa
Para atrair o coitado

O ratinho entretanto
Sempre estava atento a tudo
Percebeu o movimento
E se pôs de orelhudo
Vendo do que se tratava
Ele não se fez de mudo

Percorreu toda fazenda
Dando o grito de alerta
Bicharada atenção
Que a coisa se aperta
Aquele que descuidar
Pode ter a morte certa

Foi contando a cada um
O fato acontecido
O perigo que estava
No celeiro escondido
Corria toda a fazenda
Num tremendo alarido

E correndo foi ao pasto
Para a vaca ele falou
Comadre a coisa é séria
Ouça o aviso que lhe dou
A dona desta fazenda
Uma atitude tomou

No meio lá do celeiro
Onde o trigo se empilha
Bem no meio do caminho
Ela pois uma armadilha
Uma enorme ratoeira
Atravessa toda a trilha

Já meio lhe dando as costas
A vaca lhe respondeu
Nunca soube que bovino
Em ratoeira morreu
Desculpe meu amiguinho
O problema é todo seu

Foi também para o chiqueiro
Onde o porco chafurdava
Feliz rolando na lama
Com nada se preocupava
Só sombra e lama fresca
Assim a vida passava

Para o porco ele avisou
Cuidado meu companheiro
A patroa colocou
Ratoeira no celeiro
Dê o alerta a todo mundo,
Avise o mundo inteiro!

O porco lhe respondeu
Ô bichinho exagerado
Onde já se viu um porco
Em ratoeira fisgado
Para mim nada mudou
Você que tome cuidado

O ratinho incansável
Não parou sua jornada
Correndo toda a fazenda
Alertava a bicharada
Cuidado co'a ratoeira,
Ela já está armada!

Disse também prá galinha
Senhora preste atenção
Há perigo no celeiro
E não é pequeno não
Lá tem uma ratoeira
Arma de destruição

A galinha no entanto
Nem parava de ciscar
Bicava por entre os ciscos
Sem ao menos se importar
Vivia muito ocupada
Em comer, em engordar

E entre bicada e outra
Pro ratinho respondeu
A ratoeira é problema
Mas não é problema meu
Se for preciso cuidado
O cuidado é todo seu

Assim o pobre bichinho
Viu o dia terminar
Em vão alertou a todos
Ninguém quis se importar
O perigo parecia
Qu'a ninguém fosse afetar

Naquela noite o silêncio
Na madrugada avançou
Em dado instante um barulho
No celeiro se escutou
PLAFT!! - Deu-se o estalo...
E todo mundo acordou

Todos correram ao celeiro
Ver o que aconteceu
Até mesmo o ratinho,
Por ali apareceu!
Afinal, qual foi o bicho
Que a ratoeira prendeu?

Uma cobra que também
O celeiro freqüentava
E aproveitava a fartura
Que ali se acumulava
Ficou presa pelo rabo
Enquanto se alimentava

Quis a dona da fazenda
Retirar de lá a cobra
Mas não foi habilidosa
Para executar tal obra
Acabou sendo picada
No meio desta manobra

Quando ela se viu ferida
Correu para o quintal
Gritava para os vizinhos
Sofri um ataque letal!
O socorro foi ligeiro
Ela foi para o hospital

No hospital atendida
Percebeu-se a gravidade
O veneno da tal cobra
Era forte de verdade
E deixaram na de molho
Mesmo contra sua vontade

Já passado algum tempo
Para a casa ela voltou
Mas permanecia fraca
E na cama ela ficou
Dos amigos que a ajudavam
Houve um que assim pensou

Nada existe de melhor
Pra pessoa levantar
Do que uma boa canja
Vocês podem apostar
E saiu para o terreiro
Já co'a faca a brilhar

E lá se foi a galinha
Sem nenhuma compaixão
Num instante ela fervia
Dentro de um caldeirão
- Quem só pensava em comer:
Virou uma refeição.

E a dona da fazenda
Aos poucos se viu curada
Grata pela vizinhança
Pela qual foi amparada
Pensou em agradecer
Servindo uma feijoada

A festa foi muito boa
E o prato mais gostoso
Foi um porco a pururuca
Que estava saboroso
- Quem vivia só na fresca:
Teve um fim bem caloroso.

Mas, passado mais de mês
A vida volta à rotina
Muita conta acumulada
Com perigo de ruína
E a dona da fazenda
Já não era mais menina

Foi um mês sem produzir
Quase nada pra vender
O pouco que ela ganhou
Usou pra se socorrer
E agora? Ela pensava
O que se pode fazer?

A despesa do hospital
Levou todo o orçamento
O remédio ela deixou
Pra pagar noutro momento
Arrumar uma saída
Era este o pensamento

Foi então que ela avistou:
No pasto tranquilamente
A vaca que ruminava
Despreocupadamente
Resolvi o meu problema!
Exclamou toda contente

Ligou para o matadouro
E um preço ela acertou
A quantia recebida
Toda dívida pagou
E a vaca foi embora
Nem saudade ela deixou

Da vaca nada sobrou
Nem mesmo o pequeno sino
Virou carne de açougue
Este foi o seu destino.
- Quem disse que ratoeira,
Não é mortal a bovino?

E foi assim, meu filhinho,
Que tudo aconteceu
Quem não quis ser solidário
E com nada se envolveu
Chegando ao final da história
Foi justo quem mais perdeu

É como disse Cortella
Numa conclusão primeira:
"O começo da história
Pode ser a ratoeira
Mas envolve todo mundo,
Sempre, de alguma maneira"

O menino escutava
Nem ao menos respondia
Mas a tudo associava
Com as notícias que ouvia
Muitas que ainda nem mesmo
Ele ao menos entendia

Criança passando fome,
Idoso desamparado.
Latifúndio improdutivo,
Tanto pai desempregado.
Gente vivendo de luxo,
Ao lado do favelado.

Aquecimento global,
Corrupção, violência.
Pesquisa em área vital
Sem ética na ciência,
Coisa que na humanidade
Gera enorme conseqüência.

Na história da vovó
Ele viu a própria terra
E a rede de relações
Que dentro dela se encerra
E se pôs a refletir
No tudo que a gente erra

O mundo em que nós vivemos
Também não é grande não:
Tem água, tem ar e terra
Também tem vegetação
Tem bicho, tem ser humano
Tudo está em relação.

Foi tomando consciência
-Tudo está interligado-
Ninguém e nada no mundo
Pode viver separado
Prá que a vida haja sempre
Depende do meu cuidado.

* Valter Ceccheti é colaborador na Equipe de Almoxarifado do Curso de Verão promovido pelo CESEP.

- Fevereiro de 2009.

Referência:
SOBRE A ESPERANÇA: DIÁLOGO
FREI BETTO/ MARIO SERGIO CORTELLA - PAPIRUS EDITORA

Fonte: Valter Ceccheti

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