Egydio Schwade *
Maiká e Luiz Augusto presenciaram as últimas batidas do coração de sua mãe, minha querida esposa Doroti. Cheguei logo em seguida ao Hospital João Lucio em Manaus. Os meninos me abraçaram e um deles me disse: "Papai, mamãe morreu como sempre quis. Em um cantinho do SUS". Doroti teve um AVC no amanhecer do dia 02 de dezembro de 2010 aqui casa em Presidente Figueiredo, quando se preparava, em clima de festa, para ir a Manaus providenciar os últimos detalhes do casamento de Maiká e Michéli e comprar seus novos óculos. Levada imediatamente ao hospital local foi logo encaminhada para o Hospital João Lúcio em Manaus. Como o seu caso foi considerado irreversível, não a transferiram mais para a UTI, mas foi mantida no Pronto Socorro, onde a família teria acesso limitado até a última batida do seu coração. Só no fim da tarde do dia seguinte, por insistência de amigos foi transferida para fora do Pronto Socorro, no cantinho de um salão coletivo, onde alguém da família pode marcar presença permanente. Não demorou mais de meia hora ali quando faleceu.
Doroti foi uma das iniciadoras da luta pelo SUS no país. Como indigenista do CIMI participou das três primeiras Conferências Nacionais de Saúde, após a ditadura militar, onde a sua voz se levantou, insistente e vigorosa, em favor da criação de um sistema único de saúde, o que viria a favorecer principalmente os mais pobres.
Em sua vida nunca aceitou tratamento via privilégios. No último ano teve sérios problemas de visão. Sintoma mais forte de que algo não estava em ordem no seu organismo. Em junho procurou, através dos trâmites normais, o médico do posto de saúde do bairro. Este a encaminhou ao oftalmologista da Prefeitura de Presidente Figueiredo, pago pelo SUS, onde a encarregada do agendamento adiou a sua consulta para o mês seguinte. No mês seguinte seguiu os mesmos trâmites e mais uma vez a consulta foi adiada para o próximo mês. O mesmo ocorreu até outubro, quando desanimada, não quis mais se consultar aqui. Neste momento eu interferi e a acompanhei. Aproveitaria para fazer minha consulta também, pois há mais de cinco anos não havia feito. No novo encaminhamento o médico do posto sublinhou duas vezes "com urgência". Mas, chegando ao centro de atendimento, a secretária de agendamento novamente nos disse que só poderia ser atendida em dezembro. Ante a minha insistência sobre o encaminhamento "com urgência " do médico do nosso posto, a atendente nos disse: "Então vão ao hospital e falem com seu Gilson!" - mostrando claramente que existia um esquema 2 de encaminhamento, oculto ao comum dos mortais.
De fato, embora Doroti não quisesse, dirigi-me ao hospital onde procurei o Sr. Gilson. Mostrei-lhe o encaminhamento médico, ao que ele me respondeu: "Na próxima semana o Doutor não vem, mas na segunda semana de novembro estará". E me solicitou que lhe ligasse um dia antes de sua vinda para ele fazer o agendamento. Foi o que fiz. Doroti se apresentou na hora marcada, mas não foi atendida porque o oftalmologista não compareceu ao trabalho. A consulta foi então adiada para a última semana do mês, quando, finalmente, foi atendida. Já era tarde, o AVC a vitimou na manhã em que iria a Manaus corrigir os seus problemas de visão.
A minha consulta estava agendada para o dia em que aconteceu o AVC de Doroti. Obviamente não compareci. Durante o velório de Doroti o Sr. Gilson procurou, espontaneamente a família para remarcar a minha consulta, atitude totalmente diferente da que foi utilizada com minha esposa Doroti, durante meio ano. Na oportunidade do meu atendimento constatei e me foi confirmado por outro favorecido que um esquema 2 de agendamento, desconhecido até pelo médico do bairro, prioriza "clientes especiais". Havia ali vereador, empresário, irmão do agendador 2, chefe de gabinete de vereador, todos agendados pelo Sr. Gilson e não pela pessoa encarregada no centro de atendimento a qual sequer marcou presença no local das consultas.
Problemas e impasses atuais do SUS!
* Egydio Schwade, Casa da Cultura do Urubuí, Presidente Figueiredo.
Fonte: www.urubui.blogspot.com