Camilo Pauletti *
Sou padre Camilo Pauletti, presbítero da diocese de Caxias do Sul. Nascido no dia 01 setembro 1959 e ordenado padre no dia 12 de janeiro de 1986. Filho de uma família de agricultores, descendência de imigrantes italianos. Somos onze irmãos, dos quais três padres diocesanos e com espírito missionário.
Nesses 22 anos de sacerdócio, nove vividos em missão fora, e treze na Diocese.
No ano de 1999, parti para África, integrando o projeto Igreja Sul 3 solidária com Moçambique. Projeto que já existe desde 1994 e continua até hoje. Lá fiquei até 2004, completando seis anos de trabalhos e convivência com a cultura Macua, povo que vive ao norte de Moçambique. Fiz primeiro uma preparação no centro cultural missionário de Brasília, durante quatro semanas. Chegado no país de missão, foi preciso fazer um curso de inculturação e dois meses para aprender um pouco da língua nativa. Embora a língua oficial seja o Português, o povo do interior, na sua maioria analfabetos, não conhece a língua oficial, assim para o missionário se faz necessário ter conhecimento elementar do seu dialeto.
Moçambique é um dos 54 países do continente africano, tem aproximadamente 20 milhões de habitantes, mais da metade vive no campo. 60% de analfabetos e quando se fala do interior esse número aumenta. São pouco mais de 800 mil Quilômetros quadrados de superfície, com dez províncias(estados). Teve sua independência de Portugal em 1975, após teve 17 anos de guerra civil, destruindo as estruturas existente e deixando para trás um rastro de destruição e mortes. Muita gente mutilada pelos confrontos e pelas minas. Hoje já há outra geração de crianças e jovens, mas os poucos que viveram os horrores da guerra, não gostam de falar sobre ela. O comunismo implantado com o apoio da Rússia, fez estragos nas mentes e corações dos cristãos. A Igreja tem sofrido desprezo por parte do governo, porém houve resistências e fidelidade de alguns catequistas e missionários que ajudaram manter firme a fé, testemunhando até com a própria vida o projeto de Jesus. Encontrei comunidades antigas sobrevivendo com suas rezas e a palavra de Deus, embora já se passaram muitos anos sem a presença de um padre, sem a Eucaristia. Por isso ouvia dizerem; "temos fome de Eucaristia".
Esse povo pobre e abandonado vive com uma renda per cápita das mais baixas do mundo, em torno de 300 dólares anuais, uma média de vida de 40 anos, vivem o abandono dos profissionais da saúde, sem remédios, poucos postos de saúde, sem energia, nem telefone, estradas precárias, meios de transportes que são suas pernas. Algumas bicicletas aparecem, mas poucos carros. As doenças que afetam e matam com facilidade. A malária é comum em todos os lugares em todo o ano, destruindo muitas vidas. A aids vem crescendo ano a ano, já são mais de 30% da população contaminada. Crianças nascem com a doença, as pessoas morrem sem saber que estão com o vírus. Tuberculose e hanseníase são comuns, assim como a doença da cólera, diarréias e subnutrição. O povo vive abandonado, passam fome e vêem a vida se acabar muito cedo.
Sua alimentação consiste basicamente de mandioca, mas conseguem um pouco de milho, amendoim, peixe para aqueles que estão próximos do mar e animais de pequeno porte, como galinhas e alguns cabritos. Porém não há dinheiro ou recursos de garantir uma refeição por dia. Com facilidade encontramos pessoas fracas e subnutridas que adoecem e morrem. A vida é muito frágil.
Diante desses aspectos negativos, encontramos outros sinais de vida e esperança. É um povo acolhedor, alegre, partilha do pouco que tem, são solidários nos sofrimentos, valorizam a palavra de Deus, se reúnem todos os domingos na comunidade, participam da catequese e são capazes de realizar bonitas obras de caridade. Assim com o pouco, nos dão grandes lições de vida.
O trabalho dos missionários é com a evangelização, isto é, na formação das lideranças, na visitas as comunidades, na celebração dos sacramentos e orientação e organização das comunidades. Mas há outro trabalho de humanização importante que os missionários fazem na defesa da vida, isto é, na educação através dos centros de alfabetização de adultos e escolas para crianças onde o governo não atinge. Assim como na prevenção de doenças através da orientação e uso de remédios alternativos utilizando recursos da própria natureza. Também temos tido preocupação com a água, ajudando abrir poços e mais recentemente com cisternas. Além disso, os missionários tem incentivado o trabalho na agricultura, preparação de viveiros para plantio de árvores.
A presença de missionários brasileiros, tem sido um belo sinal de apoio e de ajuda para a Igreja de Moçambique. A forma de trabalhar, nossa experiência de comunidade e de caminhada de Igreja, é acolhida com alegria. Assim pedem que continuemos marcando presença e ajuda solidária.
Meu testemunho de trabalho junto a esse povo é dizer que vale a pena doar um tempo da vida e conviver com eles. Aprendemos mais do que aquilo que ensinamos. Os pobres sabem partilhar do pouco e nós que estamos mais abastados, somos mais egoístas. Quando nos fazemos pequenos com os pequenos, enriquecemos, damos sentido maior para a vida. Mesmo nas minhas malárias que foram quase vinte vezes, aprendi, que no sofrimento e na dor, nos aproximamos deles e nos identificamos, criamos esperança e confiança. É dessa humanidade que esse povo precisa, uma presença amiga, desinteressada, que caminha junto se fazendo igual a eles. É a grande lição de Jesus que se fez servo e humano, doando sua vida em favor dos pobres.
* Padre Camilo Pauletti, da diocese de Caxias do Sul, RS. Testemunho durante o 2º Congresso Missionário Nacional realizado em Aparecida, SP, em maio de 2008.
Fonte: Revista Missões