Egon Heck *
"Sabe eu estou me sentindo uma onça que foi colocado um dia na gaiola que só serve para ser visto pelos turistas"(V V Kaiowá) Essa expressão de uma amiga Kaiowá da Terra Indígena Dourados, comentando um texto sobre a realidade e busca dos povos Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul, me fez pensar muito.
A primeira relação que me veio à mente é de uma onça que fugiu de seu cativeiro no Parque das Nações Indígenas, em Campo Grande. Ela causou um enorme alvoroço, com direito a interdição do espaço e a busca desenfreada da fera. Foi assunto da mídia durante dias. Quando foi recapturada a notícia acabou. Ela voltou a ser, não notícia, mas apenas uma onça numa jaula. Os Kaiowá Guarani quando saem dos confinamentos e voltam para seus tekohá, são considerados pela elite local como feras perigosas que precisam ser caçados e tocados com armas de fogo, ou dos preconceitos, na grande mídia, de volta para seus confinamentos, suas onde o colonialismo os colocou e que hoje são as gaiolas do capitalismo neoliberal. Ali são tolerados e até úteis objetos de turismo.
A gaiola colonial
Mas porque cargas d'água haveria minha amiga V V de se sentir uma onça colocada um dia na gaiola? Aqui no MS e em especial na situação Kaiowá Guarani não fica difícil fazer uma relação direta com os confinamentos, com a Terra Indígena em que ela vive, Dourados. Ali são 14 mil pessoas engaiolados em três mil e quinhentos hectares. Engaiolados, porém não conformados, poder-se-ia dizer. São indígenas de três povos, em gaiola dourada, de ilusão e repressão. Até quando?
O poder político e econômico regional tem se oposto ferozmente ao reconhecimento das terras tradicionais dos Kaiowá Guarani e tem utilizado todo seu arsenal bélico e mediático para impedir com que rompam as oito gaiolas criadas pelo Serviço de Proteção aos Índios, no início do século passado.
Como posso cantar em confinamentos, em gaiolas, em prisões, para satisfazer os incautos turistas em busca do exótico ou aos ingênuos carcereiros? Até quando serei onça em gaiola me sujeitando a amarras coloniais de dominação? Essas questões estarão cada vez mais martelando a mente, o coração e a alma dos quarenta mil Kaiowá Guarani, neste final de mais um mandato sem ter resolvido a questão de nossas terras e território.
Rompendo as amarras
Esta semana se inicia mais um momento importante para os Guarani. Na aldeia de Cerrito, município de Eldorado estará se realizando o 16º Encontro de Professores e lideranças Kaiowá Guarani. Serão mais de 600 pessoas definindo as estratégias de seus povos, celebrando a caminhada e as lutas, cobrando do governo a demarcação de seus territórios e políticas públicas coerentes e eficazes nas áreas de educação, saúde e sustentabilidade.
Daí um grupo seguirá para o 3º Encontro Continental Guarani, que se realizará em Assuncion, no Paraguai. Ali estarão debatendo e construindo os caminhos da união e alianças necessárias para conquista dos direitos dos mais de 300 mil Guarani em cinco países da América do Sul. O principal desafio em todos os países continua sendo a garantia de seus territórios e a autodeterminação e governabilidade.
* Egon Heck, Campanha Povo Guarani Grande Povo.
Fonte: Cimi MS