Edenilson S. Costa *
Há alguns meses atrás, me fazia essa pergunta, após um convite um tanto quanto estranho: "Vocês não querem ser missionários na África?". Foi o que nos perguntou o Padre Rodrigo Schüler (que na época ainda não era padre), no dia 24 de julho de 2010.
Particularmente, na hora não dei muita importância a pergunta, pensei em todas as coisas que estavam acontecendo em minha vida naquele momento. É certo que neste dia, estávamos participando da segunda etapa da Escola Missionária, em Osório, mas eu estava lá mesmo porque já tinha participado do primeiro encontro, a convite do Padre Luciano e por insistência da Camila, minha namorada (que hoje é minha esposa).
O fato é que Camila gostou do convite e realmente levou a sério... diferente de mim. Eu estava mais preocupado, como disse anteriormente, com as coisas que estavam acontecendo no momento, minha vida profissional com o cargo de Coordenador de Juventude da Prefeitura de Santo Antônio, no financiamento para construção de nossa casa, com a minha formatura em agosto, etc.
Quando paro e penso em uma explicação lógica para ter aceitado este convite, realmente custo a encontrar. Por mais cético que eu fosse, ou mesmo, dizendo que aceitava só porque Camila queria vir, que era um sonho dela (não meu), ou que era por uma causa nobre, na verdade, foi algo maior, que minha própria razão não conseguiu responder.
Considero-me uma pessoa normal, com medos e virtudes, egoísmos e bondades. Comecei a participar da igreja ainda na adolescência, nos encontros e retiros, onde conquistei várias amizades, porém, nunca fui muito "fiel", ou como muitos dizem: "católico não praticante".
Conversamos muito, Camila e eu sobre o convite: "Por que foi feito justo pra gente?". Resolvemos aceitar o convite mais como um "chamado", do que qualquer outra coisa. Ou como disse o Senhor: "Vem e me segue". Aceitamos o convite, resolvemos seguir.
Confesso que não foi nada fácil. Família, trabalho, amigos, nossa vida...organizamos tudo, licenças de trabalho, cuidados com a casa (onde nem chegamos a morar), de julho de 2009 à fevereiro de 2010, para partir em missão, durante um ano, em Moçambique. Obviamente, não fizemos nada sozinho. Tivemos muito apoio, de todos os lados, de pessoas que nem conhecíamos direito. Também não sabíamos direito o que nos esperava do outro lado do oceano...
Hoje, posso dizer que tudo valeu à pena, tudo. Desde que aqui cheguei, conto os dias para voltar, não só pela saudade, mas para saber quantos dias me restam para viver nesta missão, com esta gente, e procurar fazer sempre o melhor. Viver realmente cada dia intensamente, fazendo o que quer que seja, mas aqui.
Nosso trabalho não é grandioso, ou sofrido, como muitos pensam. Nosso trabalho é minúsculo, cotidiano, real, com os pés no chão e os pensamentos nos mais altos sonhos de justiça, verdade, liberdade, amor e paz (assim como o Reino dos céus, do tamanho de uma semente de mostarda).
Nosso tempo aqui em África está acabando, faltam menos de 100 dias para voltarmos para casa, mas não podemos jamais abandonar a missão, o sonho...
Agora faz parte da minha missão, motivar, encorajar, ser instrumento de divulgação. Um novo mundo realmente é possível e ele será feito com a ajuda de todos, com gestos de amor pelo próximo.
Faço este apelo, principalmente aos leigos como eu. Quando cheguei aqui, não sabia o que fazer, agora, posso inclusive sugerir frentes de trabalho, como curso de informática básica, acompanhamento aos jovens do Lar Vocacional de Moma, acompanhamento e organização de pequenas associações, formação de grupos para reforço escolar. Estes foram os principais trabalhos desenvolvidos por nós, além é claro dos trabalhos na área pastoral.
Muitos jovens batem diariamente à nossa porta pedindo para entrar no curso de informática. Se não tivermos leigos voluntários, estes jovens não terão a oportunidade de conhecer o mínimo de informática. Os jovens do Lar vocacional já não terão mais o mesmo acompanhamento se em 2011, se não tivermos leigos dispostos a acompanhá-los. A esperança de novas associações ficará limitada...
Para ser missionário, não precisa ser diferente, santo ou divino. Temos que ser humanos, fazer a diferença e acreditar nos sonhos de uma sociedade justa e fraterna. Buscar na vida em comunidade, (dentro da própria casa) nos trabalhos cotidianos (carregar baldes de água do poço, cozinhar, lavar roupa, andar no sol, etc), nas dificuldades do dia-a-dia (saudades de casa, amigos, família, o medo dos mosquitos da malária...), a realização destes sonhos. E mais importante: tomar iniciativas, visando sempre o bem comum.
Espero sinceramente que esta carta, ao ser lida ou ouvida, lhe traga também inquietações. Que você também se pergunte: Missão? Por que eu?
A verdadeira resposta, você só terá aqui, em missão, vivendo por este povo, com este povo e tendo a certeza de Deus nunca os abandonará! "Quando dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles."Mt.18,20.
* Edenilson S. Costa, leigo missionário em Moçambique pelo Projeto Igreja Solidária, Regional Sul 3 da CNBB e diocese de Nampula.
Fonte: Comire Sul 3 da CNBB