Alfredo J. Gonçalves , CS*
O presidente Lula, a candidata Dilma Roussef e o Partido dos Trabalhadores, por um lado, José Serra e os tucanos, por outro, revelam, uma vez mais, a "comédia das eleições brasileiras", parafraseando Honoré de Balzac. À medida que se acirra o processo eleitoral, farpas são disparadas em todas as direções, num fluxo e refluxo que destila o veneno já conhecido da trajetória política do país. Processos e multas se multiplicam, num pleito que desde já parece decidir-se no Poder Judiciário.
Do lado dos petistas, a popularidade do Presidente Lula, transferida ou não à sua candidata, pretende colocar-se acima da lei. O rei, dizendo-se inibido pelas ações do Ministério Público, em verdade mostra uma descarada desinibição no choque frontal com uma "simples promotorazinha". Utilizando a metáfora do futebol, "o ataque ainda é a melhor defesa". Pousado de vítima de eternas conspirações de adversários e promotores públicos, o Presidente tenta, ele sim, inibir uma prática legítima e salutar das instituições democráticas. Prática que tende a combater a corrupção visceral das velhas oligarquias, o uso indevido da máquina governamental em prol de campanhas eleitorais, e falta de ética e de decoro dos candidatos de "ficha suja".
Do lado dos tucanos, sem coragem de questionar de frente a administração Lula pelo receio de chocar-se com sua popularidade e perder votos, a candidatura de José Serra e seu vice (ilustre desconhecido) segue patinando em águas turvas. Acusações de ligação entre PT e as FARC, bem como a criminalização dos movimentos sociais, revelam-se levianas e infundadas. Os ataques concentram-se na suposta falta de preparação de Dilma Roussef, procurando poupar a auréola de Lula, numa tentativa de equilibrar-se numa corda bamba tímida, tênue e perigosa.
Nunca antes na história deste país a "companheirada" se viu tão acima dos pobres mortais e, não raro, ao arrepio da lei. De outro lado, a tucanada tenta voar alto para reconquistar o ninho perdido. Num e noutro caso, os movimentos sociais e as organizações populares parecem preferir as arquibancadas, a entrar em campo e jogar o jogo para valer. Outros protagonistas entram em cena e o debate se reduz e se empobrece visivelmente.
Duas observações se impõem. A primeira diz respeito ao uso da máquina pública para fins eleitoreiros. Tanto de um lado quanto do outro, as realizações do governo federal e do governo paulista, respectivamente, desfilam diante das câmaras e dos holofotes com a estridente frequência e repetição do marketing mais apelativo. Implícita ou explicitamente, exibem a surrada tática de que as obras construídas com o dinheiro do orçamento público, resultado dos impostos que sobrecarregam a população, na verdade são benefícios de Fulano e Sicrano. Personalismo e populismo, caudilhismo e patrimonialismo, entre outros "ismos", já foram exaustivamente analisados e denunciados por estudiosos da envergadura de Celso Furtado, Raymundo Faoro (Os donos do poder), entre tantos.
A segunda observação é que, de lado a lado, as farpas recíprocas surfam nas ondas superficiais de águas agitadas pelo vento dos interesses imediatos. Raramente mergulham nas correntes subterrâneas da economia política e de um projeto sério e sólido para a nação brasileira. A explicação é simples: não mergulham no miolo do modelo político e econômico por que, a bem da verdade, ali prevalece a continuidade entre a administração tucana e petista. A massa do bolo é a mesma, feita de ingredientes tirados do modelo neoliberal de globalização da economia capitalista. O que muda é o recheio, a cereja que confere um brilho falso à receita única. Muda a maré dos ataques e defesas em relação a uma forma ou outra de governar ou de administrar políticas compensatórias, mas as placas tectônicas da sociedade assimetria, injusta e desigual praticamente permanecem inamovíveis.
Ambas as administrações, em maior ou menor grau, são reféns das leis férreas e intocáveis do mercado mundial, especialmente em sua dimensão desregulada do capital financeiro. Ainda que o G20 passe a ter maior influência nas decisões macro-econômicas e políticas, diminuindo o poder de fogo e de veto do G8, não muda a estrutura das relações capitalistas de produção, seja em nível nacional seja em nível internacional.
Na estreita margem de manobra de um (ou uma) presidente de um país do Terceiro Mundo, como segue sendo o Brasil, apesar de seu caráter de "emergente", as migalhas aos pobres podem sofrer mudanças, ser ampliadas ou diminuídas. Bolsas, mini-créditos, sistema de cotas, empregos precários constituem a "cesta básica" dos favores oferecidos aos habitantes da Senzala. Mas os lucros fabulosos dos principais bancos e mineradoras, o poder de influência do setor das telecomunicações, a marca retrógrada da bancada ruralista e do agronegócio e a generosa ajuda à indústria automobilística, por exemplo, nada disso pode ser tocado. São os privilégios da Casa Grande.
Por fim, uma pergunta: será que a campanha midiática conseguirá furar a superfície sensacionalista das águas eleitoreiras e aprofundar-se nos debates de políticas públicas que possam chegar aos alicerces do edifício econômico? Não é à toa que nas ruas se distingue entre política com P maiúsculo e política com p minúsculo, ou melhor, entre política e politicagem, ou ainda, entre política do bem comum e política dos interesses privados, familiares e corporativistas.
* Alfredo J. Gonçalves, CS, superior provincial dos missionários carlistas e assessor das pastorais sociais.
Fonte: Alfredo J. Gonçalves, CS