Vamos curar o mundo que sangra

Monique Barbut *

Outro dia, outra viagem de ida e volta ao trabalho, outra visita ao mercado, outra noite em casa. Seguimos a rotina cotidiana, alheios à devastação da qual nosso planeta é objeto. Estamos inteirados da mudança climática e vemos nos noticiários as imagens dos vazamentos de petróleo. Porém, poucos sabem que, chegado o ano de 2050, nossas atividades pesqueiras talvez tenham esgotado as existências de peixes de nossos oceanos. Ou que, pela primeira vez desde que os dinossauros habitavam a Terra, as espécies de plantas e animais se extinguem a um ritmo mais rápido do que o surgimento de novas espécies.

Em nosso moderno, estéril, confortável Século 21 é fácil se desligar do mundo natural. É fácil crer que "a diversidade biológica nada tem a ver comigo", mas o certo é que tem tudo a ver com cada um de nós. Vivemos imersos na biodiversidade, essa vasta, rica e maravilhosa variedade de vida na Terra, que afeta todos os aspectos de nossa existência: desde a roupa que vestimos até os alimentos que ingerimos ou os postos de trabalho que ocupamos.

Apesar do muito que a biodiversidade nos proporciona, não percebemos até que ponto está ameaçada, tanto na América do Sul como no resto do mundo. A perda de biodiversidade tem sido maior e mais acelerada nos últimos 50 anos do que em qualquer outro período da história humana. Se perdermos a biodiversidade, perderemos todos os atributos da vida tal como a conhecemos. As notícias não são boas. Certas pesquisas demonstram que o mundo não atingiu as metas de redução da taxa de perda de biodiversidade assinaladas para 2010. No entanto, há esperanças.

Em todas as partes, autoridades, dirigentes de empresas, organizações da sociedade civil e líderes comunitários esclarecidos trabalham para implementar projetos que atendam nossas necessidades humanas de desenvolvimento e comércio, respeitando e preservando a biodiversidade. Podemos encontrar um exemplo muito eloquente aqui mesmo, no Uruguai, onde diferentes atores uniram esforços para conceber uma forma de uso da pesca com a finalidade de serem negócios sustentáveis, promovendo o respeito pelo meio ambiente e encontrando a maneira de trabalhar em harmonia com os ecossistemas locais.

Por essa via, a obtenção de pescado para alimentação no curto prazo continua e as riquezas pesqueiras são fortalecidas no longo prazo. Trata-se de um exemplo destacado dos programas que podem e devem ser duplicados em outras partes da América do Sul e do mundo. Contudo, iniciativas como esta não ocorrem espontaneamente. Exigem financiamentos e apoio técnico. As autoridades públicas devem saber que são investimentos deste tipo que o mundo precisa e as que as sociedades que representam exigem.

Para contribuir com a criação de consciência sobre o valor e a importância da variedade da vida e seu impacto em nossa vida diária, as Nações Unidas declararam 2010 como Ano Internacional da Biodiversidade Biológica. Que cada um de nós, animado por esse espírito, intensifique seu senso de conexão com a malha de vida que nos rodeia e se faça ouvir diante daqueles que têm o poder de realizar mudanças. Em matéria de biodiversidade não somos meros espectadores. Tampouco carecemos de meios para contribuir com sua preservação.

Como cidadãos e eleitores, podemos e devemos nos assegurar de que as autoridades que elegemos saibam que a biodiversidade, na mesma medida em que a pobreza, a fome, o analfabetismo ou a saúde, constitui um problema que requer nossa imediata atenção. Talvez não consigamos perceber, mas o mundo está sangrando. Preservar a biodiversidade é um primeiro passo decisivo para deixá-lo sadio. Disso dependem nossas vidas e todas as formas de vida que nos cercam.

* Monique Barbut é diretora-executiva do Fundo para o Meio Ambiente Mundial.

Fonte: Envolverde

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