Homilia do Cardeal Cláudio Hummes na Missa de Encerramento do XVI Congresso Eucarístico Nacional

Cláudio Hummes *

Irmãos e irmãs,

Encerrando nosso congresso eucarístico, na solenidade da Ascensão do Senhor, louvamos a Deus e lhe damos graças, com profunda adoração e imensa alegria espiritual. Ao mesmo tempo, pedimos seu auxílio e sua bênção para a grande missão que nos espera neste querido Brasil.

O congresso manifestou uma vez mais, que a Eucaristia é fonte e centro da vida da Igreja e de cada cristão. Neste dias, ao participar da Eucaristia e da adoração eucarística, de modo mais intenso, pedimos a Cristo que desenvolvesse, em cada um de nós, a consciência de sermos seus discípulos, para sermos também seus missionários. De fato, a Eucaristia é força do discípulo e nossa atuação na sociedade humana.

O papa Bento XVI lembra-nos, então, que a Eucaristia tem tudo a ver com o domingo, o Dia do Senhor, e que os fiéis, portanto, não deixem de participar fervorosamente da Missa aos domingos. Realmente, no centro do domingo está sempre a Santa Missa, a Eucaristia. Um domingo sem Missa não é um domingo completo. É preciso renovar nos fieis a consciência da observância deste dia santificado, que inclui a participação na Missa.

Neste contexto, é bom recordar que na história do Brasil ocorreu um exemplo extraordinário da importância do domingo e da Missa dominical. Trata-se do testemunho dos beatos mártires de Cunhaú e Uruaçu, no Rio Grande do Norte, mortos pelos protestantes calvinistas em 1645m e beatificados pelo sempre lembrado e amado papa João Paulo II. Como sabemos, são dois grupos de mártires, que foram mortos no mesmo ano de 1645. O primeiro grupo foi a comunidade católica de Cunhaú, que com seu sacerdote, o padre André Soveral, foi massacrada enquanto participava da Missa dominical na sua igreja. Era o povo católico do lugar. Gente simples, mas religiosa. Foram mortos homens, mulheres, crianças, jovens e velhos, famílias inteiras, enfim, todos que participavam da Missa naquele dia de domingo. Foram mortos por serem católicos e professaram sua fé antes de morrer. O outro grupo foi morto barbaramente, também por serem católicos, poucos meses depois em Uruaçu, com seu sacerdote, padre Ambrósio Francisco Ferro. Neste grupo se destacou um leigo chamado Mateus Moreira, a quem arrancaram o coração pelas costas, enquanto ele gritava em alta voz: "Louvado seja o Santíssimo Sacramento". Esses mártires, caros irmãos e irmãs, são uma das maiores glórias da Igreja no Brasil. O seu martírio, reconhecido pela Igreja, contém grande força de evangelização. Deveríamos torná-los mais conhecidos e venerados, porque nos ajudariam amar e valorizar o domingo e a Missa dominical.

Voltando ao tema do congresso, "Eucaristia, Pão da Unidade dos Discípulos Missionários", é preciso que, diante de Cristo na Eucaristia, nos deixemos por Ele novamente enviar em missão. A própria festa da Ascensão do Senhor, que a Igreja hoje celebra, nos fala da missão. Os Evangelhos relatam que, quarenta dias depois de sua ressureição, Jesus reuniu seus discípulos, deu-lhes as últimas instruções e depois subiu ao céu, onde o Pai o fez assentar-se para sempre à sua direita, cheio de glória e poder. Nos últimos momentos com seus discípulos, antes de sua Ascensão, Ele os enviou em missão ao mundo inteiro, dizendo: "Ide por todo mundo e anunciai o Evangelho a toda criatura. Fazei discípulos meus todos os povos" (cf. Mc 16,15 e Mt 28,19). Eis a missão da qual Jesus encarregou sua Igreja. E Ele acrescentou: "Eu estarei convosco todos os dias até o fim dos tempos" (Mt 28,20). Em consequência, através dos séculos, até nossos dias, a Igreja sente-se impulsionada a esta missão. Contudo, nos tempos atuais manifesta-se uma nova urgência missionária. Os últimos papas não se cansaram de falar deste tema e procuraram renovar a consciência missionária na Igreja de hoje. João Paulo II falou de uma nova evangelização "com novo ardor, novos métodos e novas expressões". Esta nova missão terá como destinatários, de um lado, as pessoas e os povos que ainda não são cristãos, mas também, de outro lado, os batizados que se afastaram da participação na vida de suas comunidades ou passaram a outras crenças ou mesmo à descrença total. A Igreja tem consciência de que não podemos nos limitar a acolher e atender as pessoas que vêm mais ou que nunca vieram a nossas Igrejas. Bento XVI disse, com razão, que "não basta conservar as comunidades que temos, ainda que isto seja importante".

Em Aparecida, há três anos, os bispos refletiram de modo amplo e aprofundado esta urgência missionária e chegaram à conclusão que para sermos bons missionários deveríamos ser bons discípulos. Só o bom discípulo, aquele que escuta constantemente a Palavra de Jesus Cristo e o segue na prática da vida, pode tornar-se um bom missionário. Ora, o discípulo se forma no encontro pessoal e comunitário com Cristo, como os Evangelhos, nos mostram ao falar dos primeiros discípulos de Jesus.

Ora, meus caros irmãos e irmãs, foi isto também que se propôs como objetivo este Congresso Eucarístico, que ora encerramos: renovar em todos os católicos do Brasil a identidade de discípulos e discípulas de Jesus e a partir desta experiência e prática continuada tornarem-se seus missionários.

E quem serão os destinatários da missão? Em princípio, todos. A vontade de Deus é que todos se salvem. Ora, é pela fé e pelo Batismo que se ingressa no caminho da salvação. Mas, como as pessoas podem ter fé se ninguém lhes anuncia o Evangelho? A fé nasce da pregação, disse São Paulo. Por isso, todos os seres humanos têm o direito de ouvir o Evangelho. Às vezes, ouve-s dizer que o importante não é a quantidade, mas a qualidade de nossas comunidades. Errado! comunidades sejam sempre mais qualificadas, vivas e coerentes na fé. Mas, isso não basta. Urge levar o Evangelho a todos que não basta conservar as comunidades que temos, ainda que isto seja importante ( cf. disc. Dos bispos alemães em 2005)

Neste Ano Sacerdotal, é bom recordar também quanto os nossos padres são indispensáveis e insubstituíveis neste novo empenho missionário. É claro que todos os cristãos devem ser missionários, mas os padres têm um papel especial, pois são os pastores das comunidades locais. São os padres que devem fazer a missão nos território de sua paróquia. Para isso, precisam reunir sua comunidade e escolher um bom grupo de leigos e leigas e formá-los para sair com eles em missão, visitando as famílias da paróquia.

Caros padres, a Igreja espera muito de cada um dos senhores para essa missão urgente. Mas, podem também ter a certeza de que a missão os ajudará também a sentirem-se mais padres e a entenderem melhor sua identidade e a serem mais felizes no ministério. A missão precisa de todos vocês, padres. Sem vocês, pouco ou nada acontecerá. E vocês têm muitos modelos em quem se inspirar. A Igreja no Brasil já tem uma bela lista de padres santos e beatos. Lembremos o beato Padre Anchieta, missionário do Brasil; o beato Padre Inácio de Azevedo martirizado em viagem ao Brasil no início da colonização brasileira; os três santos mártires do Rio Grane do Sul, que compartilhamos com o Paraguai, mas morreram mártires em território brasileiros que são os santos Roque Gonzalez, Afonso Rodriguez e João Del Castilho; depois temos o Santo Frei Galvão; os dois beatos mártires do grupo de mártires do Rio Grande do Norte, já citados, isto é, o Beato Padre André Soreval e o Beato Padre Ambrósio Francisco Ferro, temos ainda o Beato mártir Padre Manuel Gómez Gonçalves (do Rio Grande do Sul); o Beato Padre Mariano (de São Paulo) e o Beato Padre Eustáquio (de Belo Horizonte). Os padres do Brasil podem mostrar ao mundo e à Igreja, com santo orgulho, esses seus colegas santos e beatos. Que eles também ajudem cada padre de hoje a viver com fidelidade sua vocação e missão.

Desta missão, os destinatários são todos, mas os pobres deverão ser os destinatários prediletos. O papa Bento XVI, na sua visita ao Brasil por ocasião da Conferência de Aparecida, reuniu-se com os bispos brasileiros na Catedral da Sé de São Paulo. Ali, ao estimular os bispos para a missão, sublinhou que devemos com especial amor aos pobres e visitá-los lá onde vivem, para levá-los a Jesus Cristo. Disse Bento XVI: "Neste esforço evangelizador, a comunidade eclesial se destaca pelas iniciativas pastorais, ao enviar, sobretudo entre as casas das periferias urbanas e do interior, seus missionários, leigos ou religiosos. [...]. O povo pobre das periferias urbanas ou do campo precisa sentir a proximidade da Igreja, seja no socorro das suas necessidades mais urgentes, como também na defesa dos seus direitos e na promoção comum de uma sociedade fundamentada na justiça e na paz. Os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho" (n. 22).

Irmãos e irmãs, ao encerrar este magnífico congresso, recordemos também o seu lema: "Fica conosco, Senhor". Sim; pedimos ardentemente; "Fica conosco, Senhor!", porque, a partir da Eucaristia deste congresso, queremos decididamente ir em missão. Mas ao mesmo tempo, temos a consciência de que nada podemos ser sem Jesus Cristo. Ele mesmo o disse: "Sem mim, nada podeis fazer" (Jo 15, 5). Por esta razão, pedimos com os discípulos de Emaús: "Fica conosco, Senhor, pois já é tarde e a noite vem chegando" (Lc, 24, 29).

Estas palavras têm uma ressonância especial hoje em dia, quando a Igreja está sofrendo uma crise difícil. Também a Igreja, caminhando na penumbra da noite, anseia pela luz da manhã e suplica: "Fica conosco, Senhor". A Igreja, por outro lado, sabe que sua súplica é ouvida, pois Jesus mesmo, no momento da Ascensão ao Céu, prometeu: "Eu estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos" (MT 28, 20). Prometeu também enviar-nos Seu Espírito Santo. De fato, dez dias depois da Ascensão, no dia de Pentecostes, o Espírito Santo é derramado sobre os Apóstolos, que estavam em Jerusalém, reunidos em oração, com Maria, no Cenáculo. Dali, eles partem decididamente em missão. A partir de então, através dos séculos, o Espírito Santo será o motor e a luz da missão da Igreja. Nós também precisamos deste Pentecostes para a missão no Brasil. No próximo domingo é Pentecostes. Não percamos este momento. Reunidos em oração com Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, que acompanhou de perto nosso congresso. Peçamos a Deus que envie como renovado vigor sobre todos nós o seu Espírito Santo, para que Ele nos transforme em missionários decididos de Jesus Cristo.

Irmãos e irmãs, queremos partir daqui esperançosos, felizes, decididos e entusiastas para a missão que nos espera. Queremos louvar e agradecer a Cristo pelos dias e horas deste congresso, em que pudemos sentir de perto a presença do Senhor e o calor de sua acolhida. Somos seus discípulos e discípulas, Ele quer contar conosco. Cada um e cada uma de nós, segundo seu estado de vida e profissão, fará sua parte nessa missão. Então, a Igreja no Brasil será florescente e tantos que dela se afastaram, irão reencontrar seu lugar à mesa do Senhor, na Igreja que um dia, no passado, os recebeu e os batizou. A estes, de modo especial, queremos revisitar e ajudá-los a superar os impasses que os afastaram. A eles todos enviamos daqui nossa saudação de irmãos e nosso testemunho de amor.

Tudo na Igreja se ordena para a Eucaristia e da Eucaristia. Parte novamente para o labor apostólico, a fim de buscar e conduzir tantos outros a esta mesa da verdadeira vida, à mesa do Senhor. Portanto, esta Santa Missa, cuja celebração agora vamos continuar, não constitui propriamente um encerramento, mas um ponto alto de nossa missão, uma expressão intensa de nossa fé em Jesus Cristo e um novo impulso para anunciá-lo a todos. Amém.

Brasília, 16 de maio 2010

* Cardeal Dom Cláudio Hummes, Arcebispo Emérito de São Paulo e Prefeito da Congregação para o Clero.

Fonte: www.cen2010.org.br

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