Flechando o Horizonte

Egon Heck *

A lua toda cheia e orgulhosa já se postava no horizonte, para acompanhar os passos dos retirantes, dos errantes, dos amantes, quando era anunciada a hora da partida. Rituais de despedida, alegres, com tons e palavras entrecortadas de uma língua que mal dominam, por ser estrangeira para seus povos. Foi assim que a Primeira Assembléia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins esperançosamente se desfazia, com um até breve, até a próxima. Os quase quatrocentos participantes indígenas de uma dezena de povos partiam com uma certeza - os direitos estavam mais próximos, os povos indígenas mais unidos, suas lutas, cultura e causa mais conhecida, as estratégias de luta mais unificadas. Esse era o sonho, que tornou-se realidade. Voltando para as inúmeras aldeias todos levavam em seus corações e mentes as imagens e sentimentos bonitos da amizade e compromissos celebrados entre os povos presentes.

A realidade não se apaga

Se enfrenta .A gente já fez montes de papéis. Tudo continua de igual pra pior. Não viemos aqui de novo para fazer documentos. Exigimos respostas concretas pros nossos problemas. Foi desta maneira que algumas lideranças iniciaram suas falas nesta Assembléia. Manifestaram otimismo com relação a efetivas respostas às suas sérias demandas.

"Passam com as linhas de energia em nossas terras, alagam parte de nossos territórios, nos privam da abundância de peixes e agora nos colocam no Serasa." Essa foi a denúncia feita por várias lideranças indígenas, especialmente Xerente, ao se referirem à impossibilidade de conseguirem pagar o alto custo da energia elétrica que chega às suas aldeias. Ao Ministério Público levaram a demanda, questionando se não poderiam ter a energia gratuita, uma vez que tanto foram afetados pelas grande e pequenas hidrelétricas. O Procurador do Ministério Público Federal, em Palmas, disse procurar as agencias responsáveis pela produção e distribuição da energia elétrica, adiantando que nada pode prometer em termos da demanda uma vez que não existe nenhuma lei a esse respeito. Os indígenas acham um absurdo eles terem que arcar com os impactos e as empresas com os lucros. E se adiantam ao luz para todos, reivindicando gratuidade da luz para todos os pobres.

Funasa está morrendo

Ao constatarem que a saúde indígena no Tocantins está uma calamidade pública, fazendo referência aos sinais mais visíveis como a mortandade de várias crianças Apinajé, e o próprio descaso com relação ao pedido de presença na Assembléia,decidiram tomar atitudes mais drásticas. Estão em situação de transição. Depois de criada a Secretaria de Atenção à saúde indígena, vinculada diretamente ao Ministério da Saúde, a Funasa já tem os dias marcados, para sair do atendimento à saúde indígena, que assumiu a saúde indígena no início da década de 90, É uma situação de fim de linha. Apesar dos esperneios, os dias estão marcados. Apesar dos técnicos do órgão afirmarem que isso em nada diminui o compromisso do órgão e dos funcionários com a saúde indígena, a realidade demonstra outras evidencias. A situação da saúde em várias aldeias é caótica. É uma situação de total faltura e descaso. Faltam desde medicamentos até os agentes de saúde indígena. Não cansaram de citar causas e conseqüências dessa situação, que vão desde as estradas esburacadas ou inexistentes, até a falta ou rotatividade dos profissionais da saúde.

Essa situação de transição para o fim, tem sem dúvida suas dívidas e impactos. É inimaginável que os prestadores de serviços, vendo chegar ao fim seu trabalho de atenção à saúde indígena, se sintam estimulados a heroicamente melhorar um trabalho que muitas vezes já vinha capengando por diversas razões. Portanto cabe aos povos indígenas a árdua e permanente vigilância e cobrança para que a situação não se agrave ainda mais.

Buracos irmanados

As estradas em algumas terras indígenas são verdadeiros exemplos de união - uns emendados nos outros com laços fraternos e ampliados de muitos anos. Apesar de inúmeras reclamações, documentos, reuniões, inclusive com o Ministério público, parece que os dias de alguns buracos estão contados. Já foram assinados convênios neste sentido. Mas os indígenas não tem manifestado nenhum entusiasmo com mais promessas dos "copen" , os não índios. Nem no papel dá pra confiar. Eles fazer e rasgam os papéis com grande facilidade. Porém uma vez mais ouviram de viva voz os programas de construção e melhoria de estradas. Isso certamente ajudará a melhorar vários aspectos da vida da comunidade, desde o atendimento à saúde até a comunicação e comercialização de seus produtos.

Contra Belo Monte e os Grandes Projetos.

Uma questão que perpassou a Assembléia foram as conseqüências e ameaças dos grandes projetos, particularmente hidrelétricas e plantio de soja, que se ampliam na região, invadem terras indígenas, destroem o meio ambiente, poluem e estragam as águas e as terras

Uma faixa no espaço da Assembléia deixa claro a posição dos povos indígenas com relação aos grandes projetos, hidrelétrica de Belo Monte, obras do PAC. Manoel Karajá se referiu ao Pac, como "programa de aceleração da destruição dos índios". Antonio Apinajé teceu duras críticas a esse programa e suas obras. "Não podemos ficar calados. Temos que questionar esses projetos. Outra liderança, ao se referir a essas obras de mais morte do que vida, falou "Estão matando nois de vagar. Fazem barragem pra matar nois tudo. Barragem só serve pros branco e não pra nois pobre"

Manoel Karajá chamou atenção para a importância do momento. "Temos que acordar. O momento é esse. Temos que cobrar. É hora de nosso movimento indígena voltar a unir forças para avançar e conquistar nossos direitos".

Egon Heck, Assembléia Indígena dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins.

 

Fonte: Egon Heck

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