* Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Eucaristia, Pão da Unidade dos discípulos missionários é o tema do Congresso Eucarístico nacional que se encerra hoje em Brasília. Quero rfletir um pouco com o(a) leitor(a) sobre este tema. O tema traz no seu enunciado duas palavras chaves que definem a Eucaristia: Pão e Unidade. Pão lembra fome e nos remete ao capítulo sexto de São João quando Jesus, depois de saciar a fome da multidão, por ela procurado na manhã seguinte, faz-lhe a seguinte advertência: "vós me procurais, não por terdes visto sinais, mas porque comeste pão e vos saciastes.
Trabalhai, não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que perdura até a vida eterna"...(Jo 627) E mais adiante : "Eu sou o Pão da vida. Quem vem a mim nunca mais terá fome"(6,35). É que há uma fome que não se sacia com o pão material. Só que os homens e mulheres de nosso tempo - também de outros tempos - pensam matar essa fome consumindo. Na boca da mídia todos fomos transformados em um bando de consumidores. Somos "os consumidores". E para não perdermos essa dignidade(?), os bens de consumo não podem nos saciar; devem deixar-nos com mais fome ainda. E assim se multiplicam os produtos no mercado, sempre novos e sempre mais sofisticados. A economia se organiza para oferecer resposta à fome de consumir.
Os produtos consumidos não se transformam em nossa suibstância, não nos dão mais ser, deixam-nos ainda com mais fome. Passam por nós sem nos alterar, sem nos tornar mais fortes e saudáveis. São descartados como um alimento que passasse pelo nosso aparelho digestivo sem se transformar na substância de nosso corpo. E tem que ser assim para movimentar a roda que roda o mundo e dá aparente sentido a um viver sem sentido. Os valores são substituídos pelos produtos lançados no mercado. Conforto material, prazer e status constituem o horizonte que sustenta a cultura consumista. Por desejarem a felicidade implantada no próprio ser, os seres humanos se tornam infelizes porque os bens de consumo passam por fora, causam sensações passageiras, não conseguem criar um modo de ser que satisfaça o pobre coração humano. Mas o mercado precisa de seres humanos insatisfeitos que busquem fora o que lhes falta por dentro. Donde a atualidade da palavra de Jesus: "Trabalhai, não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que perdura até a vida eterna"...(Jo 627) E mais adiante : "Eu sou o Pão da vida. Quem vem a mim nunca mais terá fome"(6,35). Só no encontro com Cristo, Verbo feito Carne, o ser humano encontra a verdade que dá sentido à vida. E Ele, na eucaristia de modo especial, é o alimento que nos sutenta e que dá consistência ao nosso existir. É que Cristo fica conosco e progressivamente vai nos configurando a Ele.
E quem é Jesus? Jesus é o Filho amado. "O Pai está em mim e eu estou no Pai. Eu e o Pai somos Um". E tudo o que Jesus quer é que estejamos nele, como Ele está no Pai. O Espírito Santo é o laço de amor que estreita em infinito e eterno abraço o Pai e o Filho. Na Trindade não existe consumidor. O Pai não consome, oferece-se inteiramente ao Filho e o voltar-se do Filho para o Pai é também oferecimento. Desse mútuo oferecimento jorra o Espírito que o exprime e o consuma. Por isso o Espírito Santo é em Deus a pessoa-amor. Jesus assim concluiu sua oração sacerdotal: Pai, "eu lhes dei a conhecer teu nome e lhes darei a conhecer mais ainda a fim de que o amor com que me amaste esteja neles e eu neles"(Jo 17,26).
A unidade do Pai e do Filho no Espírito é a verdadeira vida. Quem come deste pão tem a vida eterna. Jesus, depois de afirmar: "a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue, verdadeira bebida", acrescenta: "Quem come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele.Assim como o Pai, que vive, me enviou e eu vivo do Pai, aquele que se alimenta de mim, viverá de mim"(cf. Jo 6,53 - 57). O ser humano tem fome, fome de unidade, de comunhão. Poder fazer a experiência de sair totalmente de si e entrar em comunhão profunda com o outro é o anseio que nos lança na direção do outro. Mas, é preciso sair de si, do contrário nos tornamos consumidores e o outro não é objeto de consumo, é apelo à nossa liberdade. Deus é o grande Outro, mistério de unidade, comunhão infinita de vida e de amor. Nosso vazio se desfaz quando partimos na direção do outro para entrar em comunhão com ele. Quem é Jesus Cristo? É Deus no meio de nós, Deus conosco, Deus-um-de-nós.
É a vida plena ao nosso alcance. Seu desejo de estar conosco, de introduzir-nos na alegria do Pai, fez com que Ele oferecesse sua vida por nós. Pois, bem irmão(ã), tudo isso nós encontramos na Eucaristia, o sacramento-síntese de tudo o que cremos, amamos e esperamos. Como não ser discípulo missionário daquele que se deu inteiramente a nós na Cruz e que perpetua sua presença redentora junto de nós pela Eucaristia? Os discípulos testemunham na unidade e no anúncio o mistério de Cristo, alimentados pela Eucaristia.
* Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues é Arcebispo de Sorocaba.
Fonte: www.cnbb.org.br