J. B. Libanio *
O evangelho e a difusão da Igreja não se compuseram sem dificuldades. Jesus começou, na linguagem especialmente de Lucas, cercado de multidões. Ao ler o evangelista, tem-se a impressão de que as massas seguiam a Jesus por todas as partes a ponto de ele nem ter tempo para comer. As multiplicações dos pães se deram nesse contexto de êxito missionário. O povo chegou a esquecer a comida. Em outro momento, precisou subir à barca para evitar a pressão da multidão.
A vida pública de Jesus tem outra face. Na narrativa de João, depois do sermão do pão, as pessoas se vão. E ficam os seguidores próximos. Provavelmente pequenino grupo. E a interpelação de Jesus soa carregada de dor. "Vós também quereis ir embora (Jo 6, 67)?"
O processo avançou até a solidão de Jesus no horto. Interroga a Pedro: "Não foste capaz de ficar vigiando uma só hora?" Já não lhe pede uma vida de seguimento, mas uma hora só. Nem isso. Dorme. E depois foge e trai. E na cruz revela-se o fracasso completo. Morre no absoluto abandono. Nada leva a crer que o Jesus do evangelho atribuía importância ao êxito publicitário e propagandístico. Pelo menos, ele não se enveredou por esse caminho.
Nos inícios do Cristianismo, Paulo se transformou no apóstolo maior de longas viagens e muitas pregações. Ousou pregar no areópago de Atenas (At 17, 22-32). Fracassou, ao tocar o mistério da ressurreição de Jesus. Os ouvintes o abandonaram com um simples "outro dia te ouviremos". Os atos chegam a dar a impressão de sucessos de massa com os sermões de Pedro, com milhares de batismos. Mas, seguindo os fatos, os cristãos praticamente desaparecem de Jerusalém. As conversões se dão antes gota a gota pela via familiar que pelos movimentos de massa. Até à conversão do Império a fé cristã trilhou caminhos pouco chamativos.
As massas vieram depois. O Cristianismo se fez religião do Império. Pagou, em termos evangélicos, pesado preço. Chegou às aberrações da Inquisição, de Cruzadas sangrentas, do poderio mundano de papas.
Tem sofrido nos últimos tempos enorme desgaste. Por onde virá a renovação? A mídia social pode ser um caminho para recuperar a presença na sociedade? A trajetória histórica do Cristianismo deixa-nos perplexos em face de tal proposta. Cabe sério discernimento. Não há espaço para soluções superficiais e de pura exterioridade. Nem tem sentido depositar nela esperanças. O evangelho passa pelo testemunho, pela vida de entrega, pela força do amor. No entanto, há uma palavra do evangelho que nos abre caminho. A palavra de Deus se assemelha à semente. Não há limite para lançá-la. A mídia procede como semeador que semeia por todos os lados. Vale como primeiro passo. Mas o evangelho continua a ensinar-nos que ela só frutifica em terra boa que não se trabalha midiaticamente, mas por meio da catequese, da liturgia, das pastorais diversas.
[www.jblibanio.com.br (site organizado pelo grupo de amigos e admiradores de JB Libanio). Confira o livro de JB Libanio: As lógicas da cidade: o impacto sobre a fé e sob o impacto da fé. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002].
* Padre jesuíta, escritor e teólogo. Ensina na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), em Belo Horizonte, e é vice-pároco em Vespasiano.
Fonte: www.adital.com.br