Thomas J. Reese
"A Igreja raramente ajudou na cobertura dos episódios dos abusos sexuais e, sem a cobertura midiática, a Igreja não teria limpado as suas ações. Além disso, atacar a mídia é uma estratégia de relações públicas estúpida que não funciona."
A opinião é do jesuíta Thomas J. Reese, membro sênior do Woodstock Theological Center da Georgetown University, publicada em sua página This Catholic's View, no portal do jornal Washington Post, 14-04-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o artigo.
A mídia está sendo atacada pelos defensores do Papa Bento XVI que sentem que a sua cobertura da crise dos abusos sexuais é injusta. Será que alguns repórteres fazem um trabalho de reportagem descuidado? Com certeza. Alguns comentaristas estão passando dos limites em sua retórica? Com certeza. Quando a discussão é entre o New York Times e a Igreja Católica, trata-se simplesmente de uma instituição infalível enfrentando outra.
Mas sejamos honestos. A Igreja raramente ajudou na cobertura dos episódios dos abusos sexuais e, sem a cobertura midiática, a Igreja não teria limpado as suas ações. A Igreja tem uma dívida de gratidão para com a mídia, especialmente com o National Catholic Reporter, que acompanha essas histórias desde a metade da década de 80, muito antes que o Boston Globe.
Além disso, atacar a mídia é uma estratégia de relações públicas estúpida que não funciona. De fato, é contraproducente. Faz com que a Igreja pareça defensiva e que esteja tentando minimizar o problema dos abusos. Chamar a cobertura das notícias de "fofocas insignificantes" ou comparável ao antissemitismo é desastroso. É jogar gasolina sobre o fogo.
Mais e mais casos individuais estão virando manchete enquanto os advogados repasam informações à mídia ou enquanto documentos são divulgados pelos tribunais. Nessas novas histórias, é extremamente importante para os repórteres e seus públicos prestar atenção às linhas do tempo nesses casos. Aqui seguem algumas questões que precisam ser feitas e respondidas ao se analisar esses casos concretos.
1. Quando o abuso ocorreu?
Grande parte dos abusos nos Estados Unidos que estão sendo revelados pela mídia hoje ocorreram décadas atrás. Nós sabemos, a partir do estudo de 2004 do John Jay School of Criminology, que o número de supostos abusos aumentou na década de 60, chegou ao seu pico na década de 70, diminuiu na década de 80 e nos anos 90 voltou aos níveis da década de 50. Se a data dos abusos ficar enterrada no final da história, o leitor superficial pode pensar que é um caso recente.
2. Quando o abuso foi denunciado à diocese?
Uma das tragédias da crise dos abusos sexuais é que as vítimas, por causa de sua idade e vulnerabilidade, não se manifestaram imediatamente. Algumas nunca se expuseram porque não querem que suas famílias, amigos ou conhecidos saibam disso. Como resultado, nem mesmo a Igreja sabe o tamanho dos abusos. De acordo com o relatório do John Jay, um terço das acusações foram feitas nos anos 2002-2003. Dois terços foram reportadas desde 1993. "Assim, antes de 1993, apenas um terço dos casos eram de conhecimento das autoridades da Igreja", diz o relatório. A Igreja deve ser culpabilizada por aquilo que sabia, mas ela pode ser culpabilizada por aquilo que não sabia?
3. Os padres abusaram novamente depois que foram denunciados à diocese pela primeira vez?
Grande parte dos padres (56%), de acordo com o relatório do John Jay, tinham apenas uma acusação contra eles. Por outro lado, os 149 abusadores em série (aqueles que abusaram de dez ou mais crianças) foram responsáveis por 27% dos abusos. O fato de não se ter lidado mais rapidamente com esses abusadores em série é algo inescrupuloso.
4. Quanto tempo se passou desde que o abuso foi denunciado à diocese até o momento em que o padre foi suspenso do ministério?
De forma a proteger as crianças, é essencial que os padres abusadores sejam rapidamente removidos do ministério (não mais permitidos a se vestir como padres, a celebrar missas ou sacramentos em público, a se apresentar como padres ou trabalhar com crianças). As normas de Dallas de 2002 exigem que o padre acusado seja suspenso enquanto uma investigação estiver em curso.
Antes de 1985, muitos bispos lidaram pobremente com esses casos. Receberam maus conselhos de advogados e psicólogos. Acreditaram no padre, quando este dizia que nunca mais faria isso. Se focaram em proteger a Igreja em vez de proteger as crianças. Alguns bispos aprenderam mais rápido do que outros que essa era uma resposta inapropriada. Depois que os bispos divulgaram suas linhas guia em 1992, muitos bispos melhoraram, mas alguns como o cardeal Law as ignoraram. Embora apenas Law tenha renunciado, a maioria dos bispos que fizeram um mau trabalho antes de 1992 não são mais responsáveis de suas dioceses porque os bispos se aposentam aos 75 anos de idade.
5. Quanto tempo se passou desde que o abuso foi denunciado à diocese até o momento em que o padre foi denunciado à polícia?
De acordo com as normas de Dallas de 2002, a diocese deve "cumprir todas as leis civis aplicáveis com respeito à denúncia de alegações de abuso sexual de menores às autoridades civis e irá cooperar com a sua investigação". Muitas dioceses foram além e denunciaram até mesmo quando não era exigido pela lei. A diocese também deve "aconselhar e apoiar o direito da pessoa de fazer uma denúncia às autoridades públicas". Geralmente, a polícia não investiga o crime porque passou do estatuto das limitações [tempo máximo para que os procedimentos legais referentes a certos casos sejam iniciados].
6. Quanto tempo se passou desde que o abuso foi denunciado à diocese até o momento em que a diocese fizesse a denúncia junto ao Vaticano?
Em 2001, João Paulo II mandou que, se houver evidências suficientes de que o abuso sexual de um menor ocorreu, o caso seja denunciado à Congregação para a Doutrina da Fé. Em alguns casos, o cardeal Joseph Ratzinger (atual Bento XVI) está sendo criticado pelas vezes em que não notificou os casos depois de anos e às vezes décadas desde que as dioceses sabiam deles.
7. Quanto tempo demora o processo canônico para determinar a inocência ou a culpa do acusado? Se não está encerrado, em que fase está?
O Código de Direito Canônico da Igreja, assim como o sistema de justiça criminal norte-americano, tem procedimentos para processos judiciais. Estes podem levar tempo em ambos os sistemas. Casos em que a evidência é gritante ou em que o padre confessa podem ser tratados com maior rapidez. Casos em que a palavra de uma pessoa está contra a outra são difíceis. Apesar de seus recursos financeiros e sua habilidade, o sistema de justiça criminal norte-americano muito frequentemente condena o inocente e liberta o culpado. Existe uma dificuldade em lidar com casos de estupro e assédio sexual em que a palavra de uma pessoa está contra a outra. Não deveria surpreender se a Igreja também não é perfeita com esses casos.
O site do Vaticano tem uma descrição, em termos leigos, do processo para se lidar com acusações de abuso sexual. Para os casos em curso, a Igreja precisa ser transparente ao descrever em que ponto do processo o caso está.
8. Que punição foi aplicada ao culpado e quando?
As normas de 2002 aprovadas pelo Vaticano afirmam que o padre que cometeu uma ofensa "será removido permanentemente do ministério eclesiástico, não se excluindo a demissão do estado clerical, se o caso assim o exigir". Afirma-se que a penalidade da demissão não deve ser aplicada nos casos de "idade avançada ou enfermidade".
Teoricamente, a demissão do sacerdócio (expulsão, laicização forçada) pode ser diferenciada da suspensão do ministério. Se o padre observar as condições de sua suspensão, as crianças estarão seguras. As crianças podem, de fato, estar mais seguras quando um padre é suspenso e confinado em um monastério sob supervisão do que estariam se ele fosse demitido e jogado nas ruas, e a Igreja lavasse suas mãos com relação a ele.
Mas a demissão pode ser necessária para mostrar às vítimas e aos demais que a diocese acredita na acusação e respondeu apropriadamente. Também pode ajudar no processo de cura para as vítimas. Também protege a diocese contra qualquer responsabilidade sobre futuros abusos. Como no passado muitos bispos não policiaram bem os seus padres, ninguém acredita que os bispos fazem isso agora.
Fonte: IHU - Instituto Humanitas Unisinos