A TV Brasil, a democracia e a fracassomania

Tereza Cruvinel

Para um jornalista, escrever depois de algum silêncio tem sabor de volta, reencontro. Oferece-me o Correio Braziliense a oportunidade de escrever artigo mensal no jornal em que teve início minha carreira profissional dedicada a revelar e desvendar, na mídia impressa e na televisão, labirintos e enigmas da política nacional nos últimos 25 anos. Apesar da tentação e dos apelos de ex-leitores do meu tempo de colunista, não tratarei de política: um zelo para que a opinião pessoal não tisne o compromisso integral com a implantação do Sistema Público de Comunicação, projeto democrático e necessário. Abordarei outros tantos temas da atualidade, começando pelo da própria TV Pública.

O Brasil gosta de jabuticaba e outras frutas que só dão aqui. Algumas venenosas. A TV Pública é instituição que viceja nas melhores democracias, mas para os críticos e céticos aqui, ela não pode dar certo. Deve ser fechada, pregaram dois jornais paulistas. Os ataques combinam má-fé, desinformação, ressentimentos e motivações políticas, com cerejas de fracassomania. Mas também na semana passada surgiu a SOA-TV Brasil, sociedade de amigos da televisão pública.

Um dardo frequente é o de que a TV Brasil não mostrou ainda uma programação de qualidade. Há 18 meses, um piscar de olhos no tempo televisivo, a emissora entrou no ar com a programação herdada de suas ancestrais estatais. A TV Nacional nada produzia, limitando-se a exibir conteúdos de terceiros. A TVE do Rio, vestindo um marco regulatório indefinido, legou bons programas numa grade heterogênea. Desde então, a TV Brasil vem renovando essa programação, com destaque para a implantação de um jornalismo que deu cabo ao temor chapa-branquista.

É "tecnicamente correto e politicamente isento", declarou o Conselho Curador. Outros programas, focados na diversidade cultural, renovaram parcialmente a grade. Agora, no final de agosto e setembro adentro, dezenas de novos conteúdos entrarão no ar. A grade infantil ficará mais rica com o ABZ do Ziraldo; a família ganha o Papo de Mãe; os jovens, a revista cultural Paratodos, entre poucos exemplos do que será lançado. Produzir para televisão demanda tempo e, no caso da TV Pública, rigor com a legalidade e a transparência dos processos. Por isso a adoção de procedimentos como o Pitching e o cadastro público de filmes e obras de terceiros.

Subtraída a acusação de chapa-branquismo, restou a cobrança de audiência. Antes de falar de números, registre-se que, em todo o mundo, a audiência da TV Pública - justamente por ser ela destinada a fornecer conteúdos complementares e diferenciados - não deve ser comparada à das TVs comerciais, embora seja criminoso dizer que a audiência é secundária. Deve ser buscada, sim, mas preservando a natureza e a qualidade dos conteúdos. Nunca se pregou, felizmente, o fechamento da TV Cultura de São Paulo, que tem programas de qualidade e audiência bastante inferior à das emissoras comerciais, mas dentro dos padrões da TV pública no mundo. Nos EUA, o sistema PBS, criado nos anos 60, apresenta média de 1,7%, mas seus conteúdos infantis são internacionalmente recomendados e seu jornalismo tem alta credibilidade interna.

Sobre números: primeiro, não há instituto que traduza hoje a audiência real da TV Brasil. O Ibope pesquisa apenas as praças de Brasília e Rio de Janeiro, onde há canais analógicos abertos. A TV Brasil integra o line-up das operadoras de TV paga e seu sinal está disponível para os 60 milhões de brasileiros que veem TV por parabólicas, a Banda C. Nenhum instituto pesquisa esse universo, em que entrou agora a MTV, compensando a falta de sinal aberto. Ademais, a programação da TV Brasil responde hoje por 64,60% dos conteúdos exibidos por TVs educativas e universitárias abertas país afora. Em dezembro de 2007, a antiga TVE fornecia apenas 37,18% desses conteúdos. Alguém pesquisa a audiência que tem nos estados? Não.

Um pouco de exatidão: os relatórios do Ibope mostram que não há programa da TV Brasil estacionado em traço, expressão brandida como delito. Alguns, que precisam e serão substituídos, têm mesmo audiência inferior a 1%. Mas não traço. Outros, sejam remanescentes, como o longevo Sem censura, de Leda Nagle, ou novos, como o De lá para cá, de Ancelmo Gois, têm índices entre 1% e 3% de audiência, alcançando share (porcentagem entre televisores ligados) de 4% a 5%. Não estamos conformados. Audiência é conquista cumulativa e estamos acumulando.

A TV Brasil, semente da Constituinte na refundação da democracia, está sendo erigida com muito esforço, alegria e honestidade. Não sucumbirá à sinfonia dos ressentidos ou à fracassomania.

*Jornalista, é diretora-presidente da Empresa Brasil de Comunicação tereza.cruvinel@gmail.com

Publicado originalmente no Correio Braziliense

 

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