A ressurreição, do mito à realidade

Redovino Rizzardo *

Desde o seu aparecimento no Planeta Terra, o homem jamais aceitou a morte como o seu fim último e inexorável. Ela lhe soa como o fracasso e a derrota de todos os seus ideais e realizações. As fibras mais profundas de seu ser clamam pela imortalidade. Para os cris-tãos, a morte nada tem que ver com um Deus que é fonte de vida: «Deus não é o autor da morte, e a perdição dos seres vivos não lhe dá alegria. Ele criou tudo para a existência, e as criaturas do mundo são saudáveis: nelas não há veneno de morte, nem o mundo dos mortos reina sobre a terra» (Sb 1,13-14).

Talvez seja por isso que a humanidade sonha com a "vida eterna" desde a mais remota antiguidade. A mitologia grega foi buscar no Egito a lenda de fênix, um pássaro que, ao morrer depois de vários séculos de existência, entrava em autocombustão e renascia das próprias cinzas, transformando-se numa ave de fogo. Sua longa vida e seu maravilhoso renascimento faziam dela o símbolo da imortalidade e do renascimento espiritual.

A fênix não era a única ave que falava de transformação, como atesta a Bíblia: «Deus cumula de bens a tua existência, e a tua juventude se renova como a da águia» (Sl 103,5).

Na época - e durante muitos séculos - pensava-se que a águia fosse um pássaro cen-tenário. Contudo, para alcançar essa idade, aí pelos 40 ou 50 anos, ela precisava tomar uma decisão complicada. Nessa fase da vida, suas unhas flexíveis já não conseguiam agarrar as presas; o bico se curvava sobre o peito; as asas estavam pesadas; e o voo se tornava uma empresa arriscada, senão impossível. Sobravam-lhe, então, duas alternativas: entregar os pontos ou enfrentar um longo e doloroso processo de renovação, que poderia durar meses.

Levada pelo instinto de conservação, ela optava pela nova chance. Voava para o alto de uma montanha e escolhia uma gruta para nela se refugiar. Iniciava, então, o seu processo de recuperação. Primeiramente, batia com o bico nas pedras até perdê-lo. Quando nascia o novo, arrancava, uma a uma, as unhas carcomidas. Em seguida, passava a retirar as penas E, cinco meses depois, deixava o abrigo rejuvenescida e pronta para uma nova fase de vida.

O que não passa de mito e lenda, para o homem que se deixa guiar pelo amor se torna uma feliz realidade. É o que lembra o Apóstolo João: «Sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos os irmãos. Quem não ama permanece na morte» (1Jo 3,14). Quem se fecha e se isola, fazendo do seu umbigo o centro do mundo, escolhe como morada o sepulcro.

O processo de crescimento e renovação da pessoa lhe exige um estado permanente de conversão. Ninguém ressuscita se não estiver morto. É por isso que São Paulo não cansava de repetir: «Morro todos os dias» (1Cor 15,31). Foi esta também a descoberta feita por São Francisco de Assis que lhe trouxe a "perfeita alegria": «É morrendo que se vive para a vida eterna». Assim pensando, ambos nada mais faziam do que assumir a dialética do Evange-lho, sintetizada pelo próprio Jesus nestas palavras: «Se o grão de trigo caído na terra não morrer, ficará só; se morrer, dará muito fruto. Quem se apega à vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida, conservá-la-á para a eternidade» (Jo 12,24-25).

Quem consegue «crucificar seus instintos egoístas juntamente com suas paixões e maus desejos» (Gl 5,24) e tornar-se «uma nova criatura em Cristo» (2Cor 5,17), sua ressur-reição se prolongará após a morte numa metamorfose que os católicos denominam "ressur-reição da carne".

Em sua primeira carta aos cristãos de Corinto, ao tentar explicar como será essa trans-formação, São Paulo, a exemplo de Jesus, recorre à metáfora da semente: «Como é que ressuscitam os mortos? Com que corpo retornam? Escuta: o que semeias não volta à vida se antes não morrer. O que semeias não é o organismo que surgirá, mas um simples grão de trigo ou de qualquer outra espécie. E Deus lhe dá o corpo que quer, a cada semente o próprio corpo. Assim acontece com a ressurreição dos mortos: o corpo é semeado corrup-tível, mas ressuscita incorruptível; é semeado desprezível, mas ressuscita glorioso; é seme-ado fraco, mas ressuscita poderoso; é semeado corpo animal, mas ressuscita corpo espiri-tual». E conclui com um brado de alegria e uma exortação à perseverança: «A morte foi ani-quilada definitivamente. Onde está, ó morte, a tua vitória? Por isso, queridos irmãos, ficai firmes, inabaláveis, progredindo sempre na obra do Senhor, convencidos de que a vossa fadiga pelo Senhor não será inútil» (1Cor 15,35-38.42-44.54-55.58).

* bispo de Dourados-MT

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