Os Guarani num ano decisivo

Egon Dionísio Heck *

"A doença dos Guarani é uma só - recuperar nosso território, nossa terra, através de nossa cultura, nossa organização, nossa reza" (Cacique Rosalino, 1-02-10)

Sentado em frente ao barraco, Rosalino vai contando pausadamente como tem participado do processo de preparação do encontro que estará acontecendo a partir de hoje na aldeia de Anhetete, no sudoeste do Paraná. Está prevista a chegada de 800 Guarani dos quatro países - Paraguai, Brasil, Argentina e Bolívia. Ele conta como foram construindo a proposta de uma Aty Guasu Ñande Reko Resakã Yvy Rupa; ou seja, um encontro pilares: a terra e o modo de viver dos Guarani nestes territórios, sua cultura e religião.

Já no início da noite, quando as estrelas começaram a passear no firmamento, um grupo de Yvy Katu iniciou mais uma noite de ritual, Jeroky. Animados pelo espírito dos antepassados e dos deuses protetores e na esperança depositada em mais um encontro importante para os Povos Guarani da America do Sul.

Um pouco da historia e objetivos

O Encontro foi originalmente pensado pelo Ministério da Cultura e Comissão especial de Direitos Humanos, para comemorar os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e para propiciar à população do Mato Grosso do Sul uma visão mais real sobre a situação em que vivem e principalmente a fora e importância que tem sua cultura no momento atual.. Isso tendo em vista principalmente a grave situação pela qual o esse povo está estava passando a partir do inicio de 2005 com a morte de mais de 40 criancças, de desnutrição. Além disso, seria uma oportunidade para os Povos Guarani aprofundarem entre si as razões de tão grave situação e juntos traçassem as estratégias necessárias para enfrentá-los. O Encontro seria realizado em Dourados de 10 a13 de dezembr0l e no encerramento teria um grande show artístico com artistas de renome nacional e internacional. Lamentavelmente a postura do agronegócio e do governo do Estado inviabilizaram a realização do evento conforme previsto

Anhetete, nas margens do rio Paraná.

Portanto o Encontro estava no marco da celebração dos 60 anos dos Direitos Humanos, e a negação aos direitos básicos dos Kaiowá Guarani à vida e às suas terras. A mudança forçosa de lugar alterou também parte de seus objetivos, com relação à conscientização da sociedade regional com relação à força, cultura e vida desses povos. Permaneceu, porém, o aspecto de articulação dos Povos Guarani, num contexto de encontros continentais e outras iniciativas de união das lutas desses povos por seus direitos.

Dentre os eixos temáticos definidos pela coordenação Guarani do encontro, em janeiro, serão a partir da compreensão da Convenção 169 da OIT e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Destacam-se os seguintes temas: "Reconhecimento e devolução dos territórios ancestrais do povo Guarani na América do Sul; Abertura da Fronteira dos países do Mercosul para os povos Guarani; Discussão de Políticas Públicas (educação, saúde, cultura, meio ambiente, economia...) dos Países do Mercosul para o Povo Guarani..."

Dentre as idéias a discutir, destacadas pela coordenação estão:"O Povo Guarani é um só; fortalecimento do povo Guarani através da unificação; recuperação das terras para o povo Guarani é imprescindível para que a sua cultura seja exercida plenamente. O encontro é uma oportunidade única para se iniciar um processo de reconhecimento da cultura Guarani no âmbito do Mercosul Cultural e Social." (doc. De preparação do Encontro)

O projeto inicial (Ava Marandu) destacava a questão dos direitos humanos e a força e beleza da cultura e valores Guarani. Com isso se propunha a ser um momento forte de conscientização da população sul matogrossense sobre a importância e contribuições do povo Guarani para um projeto plural e igualitário para esse estado e para o Brasil. Também se colocava como objetivo o fortalecimento da identidade étnica Kaiowá Guarani.

Já o encontro que hoje inicia no tekoha Anhetete restringe mais seus objetivos para a articulação e fortalecimento do povo Guarani e sua presença organizada no espaço do Mercosul. Para isso se prevê a elaboração e entrega de documentos aos ministros da Cultura do Brasil e Paraguai, que confirmaram suas presenças no dia 5, e os representantes dos outros países.

A suprema injustiça

Enquanto isso os Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul continuam sendo vítima do que consideram a suprema injustiça, que é lhes negar o direito às terras tradicionais para poderem viver em paz e com dignidade. Além da liminar assinada pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ministro Gilmar Mendes, na véspera do Natal, ele continuou assinando as liminares impetradas por fazendeiros, atingindo praticamente todo o território da comunidade de Arroio Korá, homologado pelo presidente Lula em dezembro do ano passado. E essa tendência de atender a todas as ações do agronegócio e políticos do Mato Grosso do Sul, se configura efetivamente como tendência a ser seguida pelo presidente da Corte suprema do país. E o que é pior, já se fala na suspensão total das identificações em curso, através dos 6 Grupos de Trabalho, por determinação do presidente do STJ.

É neste contexto que o encontro de Anhetete vai ter uma importância muito grande, pois trará ao mundo essa lamentável situação e exigirá providencia.

O cacique Rosalino com seu grupo já está na beira da estrada para embarcar. Na bagagem as tradicionais armas: mbaraká, takuara, para fazer muitas celebrações e rituais, para trazer mais força e esperança para seu povo na luta pela terra, vida e futuro.

Yvy Katu, 2 de fevereiro de 2010
Campanha Povo Guarani Grande Povo

* Assessor do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Mato Grosso do Sul

 

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