Dom Redovino Rizzardo *
Há nove anos, tenho o privilégio de residir no Mato Grosso do Sul, cenário de uma das primeiras reformas agrárias do Brasil. Como se sabe, a partir de 1940, Getúlio Vargas deu início à "Marcha para o Oeste", através da fundação de "Colônias Agrícolas" nos Estados de Goiás e do Mato Grosso. A notícia: "O governo está doando terras no Mato Grosso" correu o Brasil e atraiu uma avalanche de migrantes, sobretudo do Nordeste, para a região de Dourados, considerada uma das mais férteis do Estado.
A "Colônia Agrícola Nacional de Dourados" foi criada a 28 de outubro de 1943. Seu território, de 409.000 hectares, passou a ser visto como uma "Terra Prometida" pelas 10.000 famílias que o ocuparam. Infelizmente, a primeira atividade dos recém chegados foi um desmatamento devastador e incontrolável. As serrarias pulularam em toda a parte. Eram os anos das vacas gordas. A terra retribuía generosamente aos sacrifícios de quem a cultivava. Seus produtos principais - madeira, café, algodão, milho e amendoim - alcançavam os mercados de São Paulo e do exterior. Tudo parecia confirmar: tratava-se de uma reforma agrária que deu certo!
Mas não é essa a impressão de quem chega na região sessenta anos depois! A quase totalidade dos filhos ou netos desses primeiros moradores já não reside nas terras que seus antepassados trabalharam. A maior parte dos lotes acabou incorporada em propriedades maiores, sustentadas por empresas, técnicas e máquinas fora do alcance dos pequenos agricultores que sucederam aos heróicos desbravadores que os precederam.
As anomalias climáticas que sobrevieram em conseqüência da devastação das florestas; a falta de atenção e de incentivo por parte do governo; a concorrência internacional, fomentada por subsídios que não existem no Brasil; os preços dos insumos que não se ajustam aos dos produtos; as dívidas contraídas com os bancos; a baixa produtividade do solo: eis algumas das razões que levam a quase totalidade dos assentados, em poucos anos, a trocar o campo pela cidade, convencidos de que ele não é futuro para ninguém. Infelizmente, é esse o desfecho da maior parte das tentativas de reforma agrária que se sucederam no Estado do Mato Grosso do Sul. Apenas 10% dos que conseguiram terra ao longo dos anos, continuam trabalhando nela...
Em outros Estados, a situação não é diferente. De acordo com o IBGE, nos últimos 40 anos, o campo perdeu 10 milhões de habitantes. No mesmo período, os moradores de áreas urbanas passaram de 52 milhões para 159 milhões. Em Santa Catarina, 25% das propriedades rurais estão nas mãos de casais com mais de 50 anos de idade. No Rio Grande do Sul, no Vale do Taquari, considerado um dos mais férteis do mundo, 33% das propriedades rurais não dispõe de sucessores! Os filhos dos agricultores não pretendem reviver em sua carne as agruras que vêem em seus pais. Preferem estudar. E quem estuda, raramente volta para a roça.
Uma batalha perdida, portanto? Para a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, a resposta é afirmativa. Um levantamento recente do Ibope teria revelado que 72,3% dos assentamentos não gera renda com a produção: 37% deles não produz nada; 10,7% não consegue o suficiente para a família; e 24,6% produz apenas o suficiente para a necessidades básicas. Apenas 27,7% dos assentamentos do país teria produção suficiente para o sustento de seus moradores, com excedentes para a venda. Contudo, outra pesquisa efetuada pelo IBGE, parece afirmar exatamente o contrário. De acordo com ela, a simples comparação do destino da produção entre o que é gerado pelos latifúndios e o que é fruto das pequenas propriedades rurais, demonstra que a alimentação do povo é garantida pelas últimas, não pelos primeiros. A agricultura familiar chegaria a responder por 70% dos produtos que integram a cesta-básica. Em dados concretos: 87% da mandioca, 70% do feijão, 58% do leite, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz e 16% da soja, sendo responsável por 10% do PIB nacional.
Se existe uma coisa que se precisa aprender a fazer corretamente no Brasil, esta é a reforma agrária. Era o que auspiciava a CNBB, em pronunciamento feito a 30 de outubro de 2003: «Estamos certos de que uma reforma agrária justa e pacífica, ampla e profunda, acompanhada de uma política agrícola que dê apoio à pequena e média produção e à agricultura familiar, pode aliviar simultaneamente grandes problemas sociais de nosso país, como o desemprego, o acúmulo de terras improdutivas, o êxodo rural e a fome".
* bispo de Dourados - MS