Ainda sobre os anglicanos. Testemunhos e comentários

Andrea Tornielli *

No Il Giornale desta quarta-feira, eu relato os conteúdos da coletiva de imprensa ocorrida ontem com o cardeal Levada e o arcebispo Di Noia (o título do artigo não está correto. Não é a "primeira vez" que a Igreja católica se abre aos padres casados, dado que já existem aqueles de algumas comunidades orientais em comunhão com Roma, por exemplo na Ucrânia).

Publico também uma entrevista breve, mas significativa, com o padre Ivan Aquilina, pároco em Sevenoaks, em Kent, na Inglaterra, que conheci por meio do blog. É um padre anglicano casado, que não compartilha da decisão da Igreja anglicana de abrir o sacerdócio às mulheres e agora às bispas. Padre Aquilina diz: "Para quem, como eu, tem família, haverá problemas financeiros, domiciliares, de trabalho. Mas eu me sinto comprometido pela unidade com o bispo de Roma e sempre esperei morrer, talvez como leigo, mas em união com Pedro. A nossa primeira lealdade é com Cristo, não com a Comunhão Anglicana. Jesus nos ordenou que fôssemos um só corpo, e a decisão do Santo Padre me parece ser a resposta do Espírito Santo às nossas orações".

Permito-me agora fazer alguns comentários sobre o que ocorreu nestes dois dias. Sobretudo, parece-me que mais uma vez alguma coisa não funcionou na organização curial: por que não se esperou a apresentação da Constituição Apostólica, isto é, o texto definitivo com as condições para o retorno à comunhão com Roma, mas se preferiu antecipar seus conteúdos - porém não sem criar involuntariamente alguma confusão - à espera do documento que será publicado nos próximos dias?

Parece-me, e eu escrevi isso, que, na Constituição, será esclarecido o caráter "transitório" da possibilidade de se ter padres casados para essas comunidades: em outras palavras, aqueles que já são casados - padres e bispos - se tornarão sacerdotes católicos, enquanto para o futuro os seminaristas dessas comunidades deverão fazer a escolha do celibato para serem ordenados.

Obviamente, sempre será possível, com base na Constituição - que terá um valor universal para todos os anglicanos que desejam entrar na Igreja católica, mesmo mantendo todas as suas peculiaridades que não contrastem com o Catecismo da Igreja Católica -, que padres anglicanos casados se tornem católicos mantendo a família. Mas a norma do celibato para os novos padres pertencentes a esses Ordinariatos Pessoais anglo-católicos continuará em vigor. Talvez esse ponto poderia ter sido melhor esclarecido durante a coletiva de imprensa.

Vamos a outro ponto: a questão ecumênica. Bento XVI tinha falado das rupturas no seio do anglicanismo no dia 13 de julho de 2008, encontrando-se com os jornalistas durante o voo para Sydney. Naqueles dias, ocorreria a Lambeth Conference, a reunião da Comunhão Anglicana: já haviam ocorrido os primeiros contatos com Roma de alguns bispos anglicanos que não concordavam com a linha liberal. O Papa respondeu assim a uma pergunta sobre esse assunto: "O desejo é que se possam evitar novas fraturas e se encontre a solução na responsabilidade diante do nosso tempo e do Evangelho. Os dois elementos devem andar juntos. O cristianismo contemporâneo deve tornar presente toda a mensagem de Cristo e dar a sua própria contribuição, sendo fiel a essa mensagem. Esperamos que os anglicanos encontrem juntos o caminho para tornar o Evangelho presente no nosso tempo. Esse é o meu desejo para a Comunhão Anglicana".

Bento XVI, portanto, não tinha nenhuma pressa. Mas é evidente que ele teve que responder à pergunta urgente desses bispos, padres e fiéis que não aceitam as mudanças epocais da Igreja anglicana, iniciadas no começo dos anos 90 com o sacerdócio feminino e continuadas depois com o sacerdócio e o episcopado de homossexuais conviventes e com o episcopado feminino.

Meu amigo (e mestre) Luigi Accattoli observa nesta terça-feira no Corriere della Sera que essa passagem suavizará a tensão interna na Igreja anglicana. Talvez porque, por isso, o primaz Rowan Williams indicou nesta terça-feira que não haverá contragolpes no diálogo ecumênico entre católicos e anglicanos.

Por outro lado, perdendo o clero e os fiéis ancorados na tradição, a Igreja anglicana ficará notavelmente empobrecida. Nesta terça-feira, durante a coletiva de imprensa, tanto Levada quando Di Noia procuraram mandar sinais tranquilizadores do ponto de vista ecumênico, explicando que os responsáveis do dicastério pela unidade dos cristãos não estavam presentes porque estavam empenhados no Chipre no diálogo com os ortodoxos.

A decisão anunciada nesta terça-feira marca, porém, em minha modesta opinião, um salto de qualidade nas relações entre a Igreja católica e as "Igrejas irmãs", e é prematuro hipotetizar sobre seus desenvolvimentos e suas consequências, assim como será preciso esperar para avaliar como a Constituição será recebida pelos episcopados católicos, em primeiro lugar o britânico.

* Andrea Tornielli, vaticanista do jornal italiano Il Giornale, em seu blog Sacri Palazzi. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

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