Truculência ao quadrado

Egon Heck *

"A grosseria das afirmações de Puccinelli desrespeita a própria função pública eletiva de um governador, que agiu neste caso em absoluto descompasso com as características generosas do povo sul-mato-grossense. Além de revelar uma visão homo fóbica e preconceituosa, incompatível com os preceitos básicos dos direitos humanos, Puccinelli incorreu na apologia ao crime de estupro, revelando insensibilidade às vítimas desse crime hediondo" (CDH da Câmara dos Deputados, setembro 2009)

Ninguém merece. Muito menos o povo sul mato-grossense, que em sua grande maioria e generoso, hospitaleiro, compreensivo e tranqüilo como as chalanas singrando o rio Paraguai, ou o trem atravessando o pantanal.

Diante das afirmações do governador,o ministro Minc afirmou "por muito menos governantes perderam seus postos". Certamente a sociedade sul mato-grossense saberá, na hora devida, responder a esse tipo de agressões que não é apenas a um grupo, mas é um tipo de comportamento incompatível com as funções e responsabilidades de um homem público, que envergonha o Estado.

Assistimos, no Mato Grosso do sul, uma sinfonia de truculências contra os povos indígenas, os pobres, os sem terra, os homossexuais, os despossuídos da terra. Na verdade as elites desejariam que fossem banidos da terra, pois só assim poderiam gozar tranquilamente seus privilégios nababescos, com a consciência tranqüila,sem serem incomodados. As truculências não são apenas físicas, passam pelos linchamentos morais, pelo desprezo e rechaço do diferente, pela exclusão social, pela penúria econômica, pela negação dos direitos e aprofundamento das desigualdades. Além disso existem as truculências legais, dos despejos, das queimas das casas, a truculência da mídia. Enfim a truculência do racismo, do preconceito, do etnocídio e do genocídio.

Mas a truculência é também alimentada de esperteza. Prova disso é a recente atitude do governador de se dispor a um diálogo com os movimentos sociais, acreditando assim esvaziar possíveis manifestações públicas que poderiam trazer dividendos negativos nas pretensões eleitorais e chamuscar ainda mais a imagem, pelas afirmações que recentemente correram o mundo.

Espalhando patrulhas
"A entrega de quatro patrulhas mecanizadas foi feita hoje (28 - pelo governador) como um presente para a população de mais de oito mil guaranis/kaiowás, na abertura do desfile cívico em comemoração ao aniversário de 61 anos da cidade de Amambai". (Dourados News 28/09/09)

Depois de ficarem na fila de espera pelo melhor momento, finalmente as patrulhas mecanizadas começam ir para a terra. Há alguns meses o governador já afirmara aos bispos que o procuraram para um diálogo sobre a demarcação das terras indígenas, que tinha 70 tratores equipados prontos para irem para as aldeias. Esquecera apenas um detalhe. Os tratores não cabem mais nos confinamentos. Sem terra não tem como fazer trator funcionar, a não ser que seja no "segundo andar", como acontece com algumas terras no Mato Grosso, onde até o terceiro andar das mesmas terras já está vendido!

Certamente o governador nunca faria a mesma ameaça que fez ao ministro Minc, de estuprá-lo,aos índios. Agora fornecer trator, querer que a "aldeia seja produtiva", sem querer reconhecer as terras indígenas, é igualmente hediondo.

Tranqüilizante
Desde ontem a mídia tem se esmerado em reproduzir como novo um fato velho. Repetir os condicionantes colocados na votação da Raposa Serra do Sol, pelo Supremo Tribunal Federal, passou novamente a soar como uma melodia tranqüilizante para o agronegócio, os latifundiários e o poder político regional.Referindo-se à publicação do acórdão publicado no dia 25, a Famasul e seus advogados voltam a bater na velha e furada tecla da "temporalidade", e da impossibilidade de "ampliação de terras indígenas". "Na prática, a decisão significa que, praticamente, torna-se inviável o processo demarcatório em MS, uma vez que as decisões finais proferidas tendem a recorrer a titulação de propriedades anteriores e na data da promulgação da Constituição Federal, em 1988" (Passarelli em Correio do Estado 29/09/09)

As afirmações parecem soar como um alívio para quem conseguiu matar ou expulsar os índios antes da promulgação da Constituição. Ou ainda serem eternamente gratos pelo serviço do Serviço de Proteção aos Índios - SPI, ao amontoar e confinar os índios em ínfimos espaços de terra, que agora, não mais poderão ser ampliados.

Assim como passaram mais de um ano pregando homéricas mentiras com relação às possíveis identificações das terras Kaiowá Guarani, agora seus advogados movidos a polpudas promessas de recompensa certamente tentarão transformar em verdade aquilo que é apenas uma tendenciosa e equivocada interpretação.

* Egon Heck, asesor do Cimi MS.

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