Queimando a memória dos Kaiowá

Egon Heck *

Quando em mais de 10 carros os fazendeiros e jagunços passaram por entre os barracos dos Kaiowá Guarani acampados, numa clara atitude de provocar pânico e terrorismo para que os índios abandonassem esse espaço, não apenas estavam o ódio e o racismo contra uma comunidade indígena, mas estavam demonstrando que a guerra silenciosa também tinha que ser marcada por ruídos, luzes, balas e fogo. Em pouco tempo a comunidade atônita via ao longe a fumaça e labaredas. Não eram apenas suas casas e o que restou que estava queimando, mas com as chamas também estavam queimando a memória, a história, os espíritos dos que ali moravam, conforme afirmou o líder Zezinho. "Os índios estão tristes. O fazendeiro não podia ter feito o que fez. Na tradição Kaiowá, não queimamos as casas que deixamos para trás. Para nós, quando a gente deixa a casa vazia, fica um espírito para cuidar dessa casa. O fazendeiro matou 36 espíritos" ( Campo Grande News, 15/09/09). Para o pretenso proprietário, ex-prefeito de Dourados, "isso é conversa fiada do Zezinho, ele está mentindo" (15/09/09)

Conforme escreve o companheiro e um dos fundadores do Cimi - Conselho Indigenista Missionário, Egydio Schwade, em carta encaminhada à comunidade "Depois de terem depredado todo o Mato Grosso do Sul, sua biodiversidade, ainda se consideram donos de tudo. É preciso lutar para que todos os que ocupam uma terra sejam apenas administradores de um bem que é da humanidade, como os povos indígenas nos ensinaram. Os piores administradores desse bem, que não lhes pertence acabam grilando e se apossando das maiores extensões de terra. Transmitam a nossa solidariedade aos Guarani de Rio Brilhante e aos que os apóiam"( Presidente Figueredo, 15/09/09).

Mundo solidário
Um dos pedidos da comunidade, naquele final do dia 11, dia da vergonhosa expulsão, "não nos esqueçam", soou como um desafio à solidariedade mundial. Efetivamente vemos um rechaço mundial a esse tipo de vandalismo, em nome da prostituída propriedade privada da terra. O Nhanderu Olimpio não se cansava de repetir, enquanto carregava seus poucos pertences até a beira da estrada "Será que os fazendeiros fizeram a terra? Porque só eles podem ter a terra e nós, os primeiros e verdadeiros donos da terra somos jogados pra beira da estrada".

De todo o mundo chegam manifestações de repúdio e solidariedade. A Conferência dos Religiosos dos Brasil, Regional Mato Grosso do Sul, reunida neste final de semana, enviou uma nota de solidariedade à comunidade. "A Assembleia quer tornar público seu total apoio à luta pelos direitos dos Povos Indígenas, principalmente os do nosso estado que, desde 2007 vêem o projeto de demarcação de suas terras ancestrais sendo dificultado e impedido pela forte oposição dos poderes constituídos e interesses agrários do Mato Grosso do Sul".

Participantes indígenas e não indígenas do III Seminário Povos Indígenas e Sustentabilidade, realizado na UCDB, aprovaram uma nota pública na qual afirmam: "não haverá tempo para a espera, o poder público deve resolver esse impasse urgentemente, precisamos pagar essa dívida logo e poupar esse povo de sofrimentos vindouros. Por isso exigimos que se devolva aos povos indígenas o que lhes é de direito, não os deixem às margens da vida. Até quando teremos que conviver com injustiças desse porte? Respondam-nos se puderem senhores dirigentes.

A Anistia Internacional lançou uma campanha pelo direito dos Kaiowá Guarani de Laranjeira Nhanderu. A senadora Marina Silva, fez seu apelo pelos direitos do povo Guarani e em especial da 21ª. comunidade desse povo jogada à beira da estrada. A Justiça Global encaminhou um pedido à OEA - Organização dos Estados Americanos, para que seja feita a justiça, garantindo a presença dos Guarani em suas terras tradicionais. A essas manifestações poderíamos citar centenas de outras, que em conjunto mostram a necessidade urgente de garantir o retorno dessa e das demais comunidades Guarani Kaiowá a seus tekohá, terras tradicionais.

* Egon Heck é assessor do Cimi MS.

 

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