Egon Heck *
Dom Redovino Rizzardo, bispo de Dourados, MS, decidiu visitar a comunidade Kaiowá Guarani de Laranjeira Nhanderu,que há duas semanas foi expulsa para a beira da estrada. Um gesto sem dúvida louvável e até inédito para esse tipo de circunstância. Afinal de contas o bispo visitar e dar apoio à luta dos índios pelos seus direitos, especialmente à terra, deve ser no mínimo um gesto indesejado pelas elites, muitas vezes católicas e contrárias aos direitos dos povos indígenas.
Até o Papa sabe disso
Com simplicidade e carinho o bispo foi recebido pela comunidade. Depois das informações preliminares sobre o ocorrido e suas causas e conseqüências, o bispo foi sendo conduzido entre os barracos de lona preta. Numa das casas parou para ver um vídeo sobre o lamentável acontecimento e conversar com a comunidade. Sentado num banquinho de madeira foi rodeado por crianças, jovens e adultos. Após uma introdução sobre a luta da comunidade, para entender o contexto atual, foi a vez de dom Redovino externar sua solidariedade ao grupo, lamentando que não pode estar fazendo mais pelo grupo. Ressaltou porém, que tem o pessoal do Cimi que os está ajudando e que procura fazer o que está a seu alcance. Disse que as autoridades que tem condições de resolver o problema deveriam estar fazendo mais por eles. Disse que está procurando divulgar a realidade deles, sendo neste fim de semana publicado uma matéria sua, em vários meios de comunicação da região, com o título "quando a justiça não é igual para todos". Continuou dizendo que já falou sobre a realidade deles em vários lugares. "No dia em que vocês foram expulsos, dia 11 de setembro, eu estava em Roma. Lá tanto eu como dom Vitório falamos sobre a realidade dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul".
A visibilidade incômoda
Os fazendeiros da Famasul externaram hoje pela imprensa local que se sentem incomodados pela situação dos índios aí na beira da estrada. "Segundo o presidente da Famasul, Ademar da Silva Junior, os índios estão correndo risco de ser atropelados e até mesmo de contrair alguma doença no local. Por isso, uma sugestão de Ademar é que o acampamento seja transferido para a região do Panambi"(Campo Grande News, 25/09/09). Querem que eles saiam daí. Um dos líderes indígenas, Zezinho, não deixou por menos "Não vamos sair. Vamos ficar na beira da estrada e esperar os estudos antropológicos. Aqui [na rodovia] ninguém pode botar a mão em nós (sic)...Não vamos ocupar nenhuma fazenda. Queremos a nossa terra, mas só vamos entrar após a demarcação, acompanhados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal"(Cacique Zezinho,25/09/09)
Cabe perguntar: se os índios estavam quietos e tranqüilos longe da estrada abrigados por deliciosas sombras de árvores, rodeados de água limpa e rio para pescar, porque cargas d'água os jogaram fora daí? Deixem de ser cínicos com as perversas e falsas preocupações humanitárias. Demonstram tamanha generosidade, chegando ao ponto da entidade empresarial se prontificar a construir a infra-estrutura, desde que longe daí. Hipocrisias à parte, porque não oferecem ajuda para que os grupos de trabalho identifiquem logo as terras indígenas?
Venham espiar
Farid, líder da comunidade, não perdeu tempo e foi dizendo "estou pesquisando! Já sei muito sobre esse cara, o Mario Cesário. Ele é espanhol naturalizado brasileiro. O pai dele foi prefeito de Dourados. Ele é advogado. Um irmão dele é vice-prefeito de Rio Brilhante... O outro dono, o Raul português, esse mora em Rio Brilhante..." Depois de uma breve conversa foi caminhar entre os barracos. Ficou um tanto impressionado. Talvez essa realidade fosse amolecendo o coração. Aí foi a vez do Farid fazer a fala dura sobre a realidade que estão vivendo. "Faz muito tempo que estamos explicando. Já fizemos isso milhares de vezes...O importante é vocês ver, expiar a nossa situação...expiar como é nossa vida aqui na beira da estrada. Querem deixar nos morrer de fome. Estamos explicando nosso sofrimento". Depois de explicar de maneira didática a dura realidade, falou que continuariam lutando de todas as formas pelos seus direitos. "Se não tiver providências vamos fechar a estrada por umas horas até decidirem".
O sofrimento molda e sensibiliza. Deixar-se embeber da realidade dura da gente simples e desprezada, leva à conversão, desperta a sensibilidade, gera compromisso. A comunidade de Laranjeira Nhanderu certamente saiu fortalecida na luta por seus direitos e convicta de ter mais aliados importantes.
* Egon Heck, assessor do Cimi MS.