E o trem das CEBs chega à Amazônia...

Maíra Heinen

No 12º Encontro Intereclesial das CEBs, povos da terra e das florestas mostram seu grito e clamam por mudanças

A vivência em comunidade de base tem nos povos indígenas, camponeses, seringueiros, ribeirinhos e quilombolas os maiores exemplos de comunhão com a natureza e respeito a toda criação e às pessoas. Em Porto Velho, Rondônia, novas formas de viver em comunidade e a construção de um novo mundo possível e ecológico foram as tônicas do 12º Encontro Intereclesial das CEBs, realizado entre os dias 21 e 25 de Julho de 2009. Os mais de 5 mil participantes puderam ver, discutir e ouvir que as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) devem ser não um novo jeito de ser Igreja, mas o jeito normal de ser Igreja, como proferiu Dom Moacyr
Grechi, arcebispo de Porto Velho, na abertura do evento.

Durante cinco dias, os atuais problemas ecológicos permearam todas as discussões, celebrações, visitas às comunidades e caminhadas. Com o lema "Do ventre da terra, o grito que vem da Amazônia" e o tema "Ecologia e Missão", os delegados, assessores e convidados puderam debater os problemas enfrentados pelos povos da floresta e as formas de fortalecer uma Igreja que se preocupa com esses povos e com a própria ecologia.

Nas análises de Dom Moacyr, um pensamento era repetido como um mantra: "Gente simples, fazendo coisas pequenas, em lugares sem importância, conseguem mudanças extraordinárias". A frase representa um pouco do que significam as Comunidades Eclesiais de Base (ou, segundo sugestão de Leonardo Boff, Comunidades Ecológicas de Base). Pessoas consideradas sem
importância pelo modelo atual de sociedade e economia, fazendo um trabalho em seus bairros, com sua gente e seus costumes, conseguem grandes mudanças, que são formas saudáveis de se salvar este planeta, já bastante castigado por muitos seres humanos.

Para o teólogo Benedito Ferraro o grande papel das CEBs nesses mais de 40 anos de existência é mostrar uma Igreja com forte compromisso social na busca pela libertação em todos os sentidos: econômico, ecológico, cultural, ecológico, sexual, entre outros pontos".

Aprender com indígenas e quilombolas
O 12º Intereclesial teve forte presença indígena. Cerca de 40 povos estiveram no encontro, participando dos debates e das celebrações. Durante a abertura do encontro, os vários povos da floresta, indígenas, ribeirinhos, seringueiros, pescadores e quilombolas se fizeram presentes com símbolos e músicas.

Flávio Tupinambá, da Aldeia Tupã, no Rio Tapajós, Pará, resumiu o significado da presença indígena no encontro. "Nós somos gente! Sempre fomos perseguidos por causa de nossas terras, mas agora estamos aqui para dar o nosso testemunho de força e buscar uma solução com nosso Deus tupã, que também nos dá força!".

A líder indígena e educadora Eva Kanoé destacou o Intereclesial como um espaço para se ampliar a voz dos povos indígenas. "Queremos dizer ao mundo que estamos juntos - povos indígenas, ribeirinhos, pescadores, seringueiros, camponeses - na construção de um novo mundo possível".

Sobre a atuação das CEBs, Eva Kanoé enfatizou a importância desse modelo, pois é uma igreja que respeita a cultura e a religião dos povos indígenas, em suas crenças e seus rituais. Além disso, afirmou que "a igreja organizada em comunidades de base se importa com a autonomia dos povos indígenas, apóia suas lutas e se importa com sua causa, seus direitos e necessidades".

Para Dom Roque Paloschi, bispo de Roraima, as CEBs têm muito a aprender com os povos tradicionais, ribeirinhos, indígenas, quilombolas. "Essas são comunidades onde todos são chamados a participar da mesa, são comunidades que não excluem as crianças, os idosos. São as comunidades fraternas sonhadas por Deus", afirmou. Irmã Antônia Mendes, assessora
nacional da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) concorda com a análise de Dom Roque: "Eu sou uma quilombola, seringueira e ribeirinha e sei muito bem que as nossas relações com a terra não são de destruição".

Um novo modelo de desenvolvimento
Nos debates do Intereclesial, um das questões mais recorrentes foi a necessidade de um modelo sustentável de desenvolvimento. Em oposição ao atual modelo de desenvolvimento, que é degradante e mortal, Ir. Antônia destacou as experiências dos quilombolas e suas formas de economia. "Os modelos de economia dos povos indígenas e dos quilombolas nunca foram levados em consideração por causa do atual modelo em que vivemos! Mas os exemplos desses povos são alternativos e corretos, que respeitam a vida".

Irmã Antônia também lembrou a questão dos grandes projetos na Amazônia, em especial as hidrelétricas, que ameaçam a sobrevivência da população da região, com a justificativa de estarem desenvolvendo o país. Para ela, as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, por exemplo, não matam apenas o rio Madeira. Matam o rio, a história e os povos que ali vivem. "Muitos acreditam que nem existem quilombolas aqui. Mas estamos aqui, resistindo no silêncio. Resistindo como os povos indígenas e os
seringueiros resistem e não vamos parar de lutar", completou.

A senadora Marina Silva (PT/AC) também esteve presente no 12º Intereclesial e falou sobre atuação como ministra do Meio Ambiente e sobre modelos de desenvolvimento. Na avaliação da senadora, é preciso pensar em como desenvolver protegendo e como proteger desenvolvendo, aprendendo a respeitar e enxergar a terra como parte do povo. "Pego como exemplo os indígenas de Roraima em Raposa Serra do Sol: plantar arroz se planta em qualquer lugar, mas a cultura dos povos daquela região, que
acreditam na criação do mundo a partir do Monte Roraima, não pode existir em outro lugar; é impossível", completou.

Marina Silva também criticou alguns projetos que tramitam no Congresso Nacional visando flexibilizar a legislação ambiental e reafirmou seu descontentamento com a aprovação da Medida Provisória 458, que regulariza a grilagem de terra na Amazônia. Ela também falou sobre as dificuldades de se aprovar o Estatuto dos Povos indígenas, cuja tramitação está parada há 15 anos. Sobre a Proposta de Emenda Constitucional 38, que pretende transferir a demarcação de terras indígenas para o Senado Federal, Marina ressaltou: "Com todo o respeito que tenho pela instituição (Senado), eu acredito que se aprovado esse projeto, dificilmente alguma terra indígena seria demarcada nesse país!" E completou. "Não faz parte das funções do Legislativo demarcar terra indígena, mas sim das funções do Executivo".

Igreja Viva
Os participantes do Intereclesial realizaram duas grandes caminhadas para mostrar seu clamor por mudanças. A Caminhada dos Mártires relembrou as pessoas que morreram pelas causas indígenas, camponesas, ribeirinhas e ambientais. A Caminhada terminou com uma grande celebração na beira do rio Madeira, já bastante modificado pela construção de mais uma barragem. Durante a celebração, o som dos cânticos do povo se misturava com os fortes estrondos das dinamites que explodiam as pedras no rio Madeira, mudando o curso do rio.

A caminhada final passou pelas ruas de Porto Velho. As pessoas, seus cantos, suas histórias mostraram uma Igreja viva, que não fica parada, mas sim, anda com o povo e assume suas causas.

* Maíra Heinen é editora do Porantim

 

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