Adital
Em entrevista, o teólogo Leonardo Boff falou à ADITAL sobre a importante missão das Comunidades Eclesiais de Base na defesa da Amazônia. Falou também sobre o papel da Igreja frente a esses novos desafios que se apresentam como modelos de desenvolvimento na região Amazônia e criticou: "O Governo brasileiro, com um todo, tem pouca acumulação ecológica".
Entre outros temas, o teólogo se referiu ao Programa de Aceleração do Crescimento como um "projeto profundamente equivocado", que não respeita as comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombolas entre tantas outras que habitam a Amazônia.
Boff participou do 12º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base que aconteceu até o último sábado (25), em Porto Velho, Rondônia.
Adital - O 12º Intereclesial traz o tema da ecologia. Qual a importância de se trabalhar o assunto junto às Comunidades Eclesiais de Base?
Leonardo Boff - A Ecologia nasce como algo natural na consciência das Comunidades e também na consciência da Igreja, eu diria até da própria Teologia Libertação, porque ficou cada vez mais claro para as pessoas que o mesmo sistema que explora as classes, os trabalhadores, os países, explora também a natureza. Hoje, nós chegamos ao ponto de sentir os limites da Terra.
A Terra não consegue repor os seus serviços, seus recursos, porque na humanidade, especialmente os consumistas, consomem mais do que a Terra pode dar. Nós precisamos de mais de uma Terra para alimentar a humanidade. Significa que há milhões de pessoas passando fome, passando sede, à margem. E isso entrou na consciência das Comunidades: que nós temos que cuidar do planeta, especialmente das florestas tropicais, porque elas diminuem o aquecimento global, elas mantêm a vida. Isso foi transformado num desafio: como pensar, a partir da fé cristã, a partir da Bíblia, a nossa forma de atuar na preservação da natureza, como cuidadores do jardim do Éden. Aí surgiu o tema da ecologia no lugar mais importante para a questão ecológica que é a Amazônia.
Frente a esses novos modelos de desenvolvimento quais seriam os grandes desafios das Comunidades ao lidar com esse modelo?
Leonardo Boff - Acho que as CEBs são inovadoras e em termos de Igreja elas são eclesiogêneses de um novo tipo de Igreja. É a Igreja de Cristo, a Igreja da nova tradição do evangelho, mas é uma outra maneira de organizar a fé cristã, mais como comunidade, menos como hierarquia; mais com comunhão, do que organização; mais movimento do que estabilidade. Isso também deve ser na sociedade. Eu acredito que as únicas reformas que vão, de fato, modificar o planeta não vêm dos Governos, nem dos grandes empresários. Vêm das bases da humanidade, onde se fazem pequenos ensaios que dão certo, que criam confiança nas pessoas.
Esses pequenos ensaios articulados começam a criar um movimento global, uma economia mais solidária, uma produção mais familiar de pequenas cooperativas, preservando a natureza no sentido mais orgânico. Então, as CEBs são os lugares onde se pode ensaiar, em miniautura, aquilo que necessariamente vai ser para toda a humanidade. Há o risco sério de que além de depredar o planeta, nós podemos colocar a humanidade inteira em risco. Pode acontecer que no final desse século a humanidade não tenha condição de sobrevivência e desapareça porque ela maltratou demais a natureza. A Mãe Terra nos expulsa como um câncer. Mas temos fé. As Comunidades têm fé. E elas começam lá embaixo a ensaiar um respeito novo com a natureza, reduzir o consumo para não ser consumista, mostrar que a gente pode ser mais com menos. Que a gente pode ser feliz com solidariedade, com paixão, com cooperação, com convivência, do que com a acumulação, com a concorrência, com mais dinheiro.
O tema "Missão e Ecologia" traz à tona, também, o conteúdo da Carta da Terra, que segue muito atual.
Leonardo Boff - Eu participei da Carta da Terra há vários anos em sua elaboração. Ela foi aprovada no ano 2000. No ano 2003 a Unesco assumiu-a oficialmente para ser distribuída nas escolas, para ser o meio de formação, para ser princípios de valores que orientem a prática humana. Então a Carta nasceu com essa preocupação de que a terra e a humanidade estão ameaçadas. De forma, antecipatória fez uma consulta em toda a Terra envolvendo 200 mil pessoas, 46 países.
Nasceu como estratégia para salvar a terra, manter a humanidade unida. Esse tempo de desenvolvimento que temos não é sustentável. Ele cria desigualdade. De um lado, uma grande pobreza; de outro, riqueza para poucos. Esse modelo devasta a natureza e não tem solidariedade com as gerações presentes nem futuras.
Essa é a palavra chave da Carta da Terra: modo sustentável. Modo sustentável de viver na família, no ecossistema, na comunidade, na forma como se organiza a produção e a distribuição dos bens. A Carta se antecipou. E está carregada de uma áurea espiritual, de uma proposta profundamente humana e de uma ética do cuidado e respeito.
Falamos até agora sobre as responsabilidade e participação dos movimentos. Por outro lado, os governos vão numa reação contrária do que seja desenvolvimento. O que o senhor acha, por exemplo do Programada de Aceleração do Crescimento (PAC)?
Leonardo Boff - O Governo brasileiro, com um todo, tem pouca acumulação ecológica. Conhece bem o sistema do capital, suas formas de exploração. Tem estratégias para defender o trabalhador, o salário. Mas não tem nenhuma estratégia para defender a natureza. Isso fica claro no PAC, no Processo de Aceleração do Crescimento. Nem é desenvolvimento, é um modelo velho do Século 19, tem que ser criticado, submetido à discussão pública, porque ele vai implicar na devastação da natureza como as 57 hidrelétricas que vão ser construídas na Amazônia. Vai ser um impacto terrível nas florestas, nos indígenas, nos seringueiros, nos ribeirinhos.
Ninguém foi consultado, ninguém discutiu com eles sobre formas menos agressivas. Foi uma política de cima pra baixo. Se impôs um modelo econômico altamente destrutivo e capitalista sem consultar aqueles que serão as vítimas. Então, acho um projeto profundamente equivocado, que vai na contramão da história. Mostra nosso atraso ecológico, apesar de todos os avanços que o Governo Lula fez para os trabalhadores se comparando à políticas anteriores.
Mas nesse ponto da ecologia temos que fazer a crítica. Mais vale a natureza do que essas políticas governamentais que não acompanham as discussões mundiais e não fazem política de preservação desse patrimônio fantástico que Deus deu ao Brasil, que é onde está a floresta tropical mais importante do planeta, aquela que vai ajudar a equilibrar os climas, que vai ajudar a estabilizar o aquecimento em dois ou três graus. O Brasil não tem essa consciência . Nós estamos atrasados. Mas acredito que a pressão mundial vai obrigar o governo a incorporar mais esse fator ecológico
Dentro de todo esse contexto colocado pelo senhor, qual é a mensagem que o 12º Intereclesial deixa?
Leonardo Boff - Acho que a mensagem deste 12º Intereclesial é chamar a atenção, primeiro à Igreja brasileira, que ela - como está muito presente no Amazonas, tem que incorporar em sua catequese, na sua pastoral, a consciência ecológica. Segundo, é um grito para o Brasil inteiro porque as Comunidades Intereclesiais de Base estão aqui na Amazônia. Estão sentido na pele os efeitos dos projetos antiecológicos, sejam em Rondônia, seja no Acre.
A missão da Amazônia não é ser derrubada para dar lugar à soja ou ao gado, a missão dela é ficar de pé, produzir oxigênio, biodiversidade, absorver da atmosfera a poluição e transformá-la em matéria viva que são árvores, copas, flores. Isso é um grito que vem das pequenas comunidades para o Brasil inteiro. E nós temos pouco tempo. Temos que pressionar o presidente Lula, a Ministra Dilma Rousseff, que leva o PAC, para que tomem em consideração essa realidade. Senão, daqui a dez anos vamos perder tudo o que nós construímos. A Terra vai modificar tanto que vamos ter refazer quase tudo. Então vamos já agora fazer a coisa certa.