No 1º de maio da crise, contradições estão mais expostas

Renato Godoy de Toledo *

Especialistas ressaltam o protagonismo da classe trabalhadora para superação da ordem.

Soa contraditório. E é. A crise estrutural do modelo econômico vigente tende a agravar a situação dos trabalhadores, com demissões, redução de direitos e salários. No entanto, o momento é propício para fortalecer as organizações da classe e realizar a disputa de hegemonia na sociedade, já que o caráter do regime capitalista torna-se mais claro nesse período histórico.

Porém, aos trabalhadores não resta a simples tarefa de assistir à ruína das idéias neoliberais para, posteriormente, implementar sua agenda. A história mostra que não há uma associação mecânica entre a falência de um sistema e a construção de uma alternativa. Portanto, a crise econômica mundial traz enormes preocupações aos trabalhadores, bem como desafios e a esperança de emancipação.

No 1º de maio, Dia Internacional do Trabalhador, o tema das organizações sindicais deve ser o mesmo no mundo inteiro: os impactos da crise no mundo do trabalho. E, desde o pós-guerra, este deve ser o Dia do Trabalhador com mais menções às análises de Karl Marx sobre a dinâmica da sociedade capitalista. Consultados pela reportagem, especialistas não se furtaram em citar conceitos criados pelo pensador alemão para analisar a situação da classe trabalhadora no Brasil.

Capitular ou enfrentar

O sociólogo Ruy Braga, da Universidade de São Paulo (USP), salienta que não é possível formular uma teoria sobre como o capitalismo se movimenta durante momentos de crise, assim como a dinâmica do movimento dos trabalhadores. As complicações oriundas da crise não acarretam, necessariamente, numa sublevação do conjunto dos trabalhadores contra a ordem vigente.

“Não há uma relação mecânica de passagem automática de um momento para o outro. O que existe é um processo de construção social para isso, que a classe trabalhadora faz junto aos seus instrumentos, como os sindicatos. Mas, em vez de um aumento das mobilizações, pode acontecer o contrário. O crescimento do desemprego pode desmoralizar a classe trabalhadora e fazer com que o processo retroceda. O que existe é um processo de construção dessa mobilização [diante da crise]”, avalia.

De acordo com o também sociólogo Mauro Iasi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o setor patronal deve apresentar propostas reducionistas aos trabalhadores, restando a estes últimos dois caminhos: o enfrentamento ou a capitulação.

“Os trabalhadores podem reagir de duas formas contraditórias neste momento. Podem ficar tentados a aceitar pactos sociais e buscar saídas conjuntas com o capital, caindo no canto de sereia de que com a volta do crescimento seus empregos e salários se recuperariam, ou podem se mobilizar e lutar por seus direitos, recusando-se a arcar com os custos da crise do capital. É bom lembrar que no ciclo de crescimento a acumulação foi privada e se pedia aos trabalhadores que esperassem para repor suas perdas”, explica.

Tendência de fragmentação

É sabido que, quando as empresas têm sua margem de lucro diminuída, a saída mais comum é o corte de gastos com pessoal, em nome da competitividade e da sanidade financeira da instituição. E essa tem sido a justificativa mais comum vista diariamente no mundo todo. Assim, está posta mais uma contradição. Como resposta à crise, os sindicatos almejam promover grandes mobilizações, mas suas bases estarão cada vez mais minadas pelo desemprego.

“Em período de retração, a tendência é de fragmentação da classe e, com o desemprego, a concorrência aumenta. Independentemente do ritmo da acumulação, a classe tem um grande desafio de construir a sua própria emancipação. E isso depende dos grupos mais organizados. Eles precisam responder a uma série de questões: quem somos nós? Quem são eles? Quem são os aliados e os inimigos?”, esclarece Ruy Braga.

Se a recessão da economia implica em fragmentação, o contrário não é sinônimo de acúmulo de forças, segundo o sociólogo. “O processo de acumulação capitalista tem dois momentos: um de expansão e outro de retração. A expansão é, geralmente, seguida pela superprodução. Num momento de acumulação acelerada, os ganhos podem ser transferidos para o salário. Mas isso só é garantido pela correlação de forças. Pode haver um processo de aceleração, mas com contenção salarial, como na década de 1990”, exemplifica.

*Articulista do Brasil de Fato Fonte: Brasil de Fato

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