Cristiano Jakob Krapf *
Para não terem seu lucro reduzido, querem agora reduzir os juros da caderneta de poupança.
Os Bancos que operam no Brasil e outros donos do capital financeiro, nacionais e estrangeiros, conseguiram em poucos anos multiplicar seu dinheiro em dólares, até julho de 2008, pelos juros mais altos do mundo e pela valorização exagerada do Real.
A crise atual os fez perder uma parte desse lucro, pela desvalorização do Real e das ações. Agora, em plena crise mundial, os bancos lá fora continuam perdendo, mas os "nossos" bancos estão lucrando novos bilhões. Como ninguém pode ganhar sem que tenha alguém pagando, seria importante descobrir quem é o pagador.
O maior pagador é o povo brasileiro que paga juros absurdos para comprar fiado ou tomar empréstimos para fazer investimentos. O povo paga também através do Governo que gasta dez bilhões de Reais por mês em juros sobre a dívida pública interna, dinheiro que devia servir para investimentos em educação, saúde, estradas, portos, ferrovias.
O lucro dos bancos está no spread, na diferença entre os juros que pagam pelo dinheiro que conseguem captar no mercado e os juros que cobram para emprestar o mesmo dinheiro a quem precisa.
A revista VEJA deu uma definição estranha do spread, dizendo assim: "O spread é a diferença entre a taxa básica definida pelo Banco Central (a Selic) e o valor final dos juros cobrados pelos bancos." Não precisa ser doutor em economia para saber que o spread é outra coisa, é a diferença entre os juros que os bancos pagam e os juros que recebem.
O que mais interessa aos bancos é exatamente o tamanho do spread, que no Brasil é o maior do mundo. Outra coisa que interessa aos bancos é a diferença entre os juros nominais que recebem do Governo generoso e a inflação que corrói uma parte desses juros.
É por isso que um chefe do Banco Central que privilegia o capital financeiro procura manter a taxa de juros do Copom sempre muito acima da inflação, com o pretexto de não ter outro meio para controlar a inflação.
Diante das dificuldades atuais aumentou a pressão da sociedade e de setores do Governo para diminuir os juros básicos. Com a diminuição dos mesmos, os bancos querem mexer na outra ponta, para manter o spread elevado. Querem diminuir os juros da caderneta de poupança. Até o presidente Lula falou em diminuir os juros dela. Ainda bem que depois recuou. Agora fala apenas no genérico de mexer na poupança para reservá-la ao povão que não consegue fazer aplicações melhores.
Os bancos querem comprar dinheiro barato e vender dinheiro caro. O dinheiro da poupança é o dinheiro mais barato que conseguem. É natural que queiram isso, mas o Governo deveria defender os interesses do povo, em vez de privilegiar o capital financeiro.
O spread entre os 7% de juros que a caderneta oferece aos poupadores populares e os 11,25% de juros que os bancos recebem do Governo pela dívida pública é lucro puro para eles, lucro que nem depende da inflação. Acontece que os "nossos" bancos não se contentam com um spread de "apenas" 4%, que deverá ser reduzido para 3% e chegar assim ao padrão de países desenvolvidos.
Por outro lado, o Governo interfere com normas complicadas que obrigam os bancos a aplicar dinheiro com juros subsidiados e congelar uma parte em depósitos compulsórios que só servem para manter o dinheiro caro e agravar a falta de dinheiro para investimentos públicos e privados.
Mesmo assim, setores do governo já imaginam que a redução dos juros sobre a dívida pública possa causar dificuldades para conseguir mais dinheiro para financiar a rolagem da dívida, porque os bancos conseguem fazer outros investimentos com juros ainda maiores, até o absurdo de 100 % e mais por ano.
De acordo com notícias dos jornais, a taxa media de juros que os bancos cobram está baixando, mas ainda está em 39%, e o spread ainda está em 28% por ano. Ainda assim, os bancos e os investidores que operam no Brasil teem o spread e o lucro mais alto do mundo. Quando os estrangeiros recuperarem sua capacidade de investir e tiverem mais confiança no futuro do Brasil, o dinheiro do mundo inteiro virá correndo para cá, para multiplicar-se às nossas custas, como foi entre 2002 e junho de 2008.
Uma redução da remuneração da caderneta da poupança seria ruim para os próprios bancos e para toda economia do país. Se os juros da poupança fossem maiores, o povo ficaria mais motivado para poupar, e os bancos teriam mais dinheiro para investir. Guardando mais dinheiro na poupança, o povo teria depois mais dinheiro para comprar à vista, em vez de comprar quase tudo fiado e pagar até o dobro em "suaves" prestações.
Para enfrentar a crise do crédito caro, não adianta o Governo dizer que os bancos devem reduzir o spread. O Governo não manda nos bancos estatais? Basta que esses reduzam seu próprio spread, que os outros bancos deverão reduzir também, para poder concorrer. Um banco oficial não pode pensar apenas no lucro. Deve colocar o bem comum acima dos interesses imediatos dos acionistas.
Uma das leis elementares da ciência diz que no mundo que conhecemos nada é criado e nada é destruído. Na economia, os governos fabricam dinheiro em notas e os bancos criam dinheiro em letras.
Além de multiplicar dinheiro pelos juros e fazer ações e derivativos subir com expectativas de valorização futura, os bancos aprenderam a emprestar dinheiro que não teem.
Não é fácil entender como se pode emprestar dinheiro que não existe, mas os bancos americanos exageraram tanto nessa arte que bastou uma perspectiva menos favorável da conjuntura econômica para fazer desaparecer uma parte dos trilhões em ações e créditos assim criados.
Os comandantes da nossa economia fizeram de tudo para segurar o valor do Real, mas a desvalorização do Real no fim de 2008 foi importante para evitar um desequilíbrio perigoso das contas externas e uma recessão desastrosa pela falta de competitividade dos nossos produtos no mercado mundial e até no mercado interno.
O maior "prejuízo" da desvalorização do Real foi a diminuição de milionários brasileiros em dólares, da facilidade de viagens ao exterior e da farra de importação de artigos de luxo.
Apesar da política recessiva do aperto monetário que favorece apenas o capital financeiro, o Brasil tem tudo para sair mais forte da crise atual. Temos quase tudo que a crescente população mundial vai precisar em quantidades cada vez maiores. Alem de ter as maiores reservas de terra e água para produzir alimentos, biocombustíveis e energia, temos grandes reservas de petróleo e minérios, e possibilidades enormes de aumentar os nossos equipamentos industriais, se houver dinheiro disponível a juros civilizados para investir.
O povo continua sofrendo os efeitos da crise, e mas o capital financeiro voltou a lucrar.
Faz dez dias que escrevi o texto acima. Como imaginava, o Copom segurou os juros básicos acima de 10%, e já começou a corrida do capital especulativo mundial para uma temporada de engorda no Brasil, diante de sinais promissores de lucros: Superávit nas contas externas, valorização do Real e das Ações na Bovespa.
Entre o fim de Abril e a primeira semana de Maio, a Bovespa subiu 13%. Desde o início de abril as ações tiveram uma valorização de 27%, e o Real subiu 10%. Assim, especuladores internacionais que investiram em março um milhão de dólares na Bovespa, agora já podem levar meio milhão de reais de lucro, coisa sem igual no mundo atual. Provavelmente não vão retirar esse lucro fabuloso agora. Vão deixar engordar mais, até os primeiros sinais de nova crise.
Donos brasileiros de capital também estão voltando a faturar, enquanto o povo continua sofrendo as conseqüências da crise e do favorecimento do capital financeiro em detrimento dos investimentos nos serviços sociais, na infraestrutura e na criação de empregos por investimentos produtivos.
Ainda bem que setores do governo começam a perceber a necessidade de mudanças da política econômica de aperto monetário, enquanto os bancos e seus economistas fazem de tudo para defender medidas que garantam a continuidade dos privilégios do capital financeiro. Para evitar que algum Governo possa exigir uma diminuição dos juros que os bancos cobram, muitos querem um Banco Central independente, comandado apenas pelos donos do capital.
A grande imprensa que fatura com propaganda de bancos vem publicando artigos que afirmam sem rodeios que até os bancos oficiais precisam defender em primeiro lugar os interesses dos seus acionistas. Quando o Governo dá sinais de querer colocar o Banco do Brasil a serviço do povo, setores que estão interessados apenas no lucro do "seu" banco já estão fazendo pressão para privatização do Banco do Brasil.
Queria colocar este artigo à disposição da imprensa, mas compreendo que seus donos não tem interesse em publicar um texto que contraria os interesses dos seus anunciantes.
* Bispo diocesano
Fonte: CNBB