Elaine Tavares*
É coisa comum na esquerda brasileira fazer a crítica aos grandes meios de comunicação. De uma maneira geral todo mundo que estudou um pouquinho a questão da comunicação sabe que, neste país, as redes de comunicação - sejam televisadas, escritas ou faladas - são nada mais nada menos do que uma bem urdida propaganda do sistema político e econômico dominante. A televisão é comandada pela Globo, que tem uma triste história de parceria com o regime militar, criada para dar ao país "uma identidade nacional". O sistema de rádio também está na mão da elite dominante do país, das mesmas empresas que controlam a televisão e dos políticos com cadeira no Congresso Nacional. Estes, por sua vez, lá estão no sistema legislativo, unicamente para defender interesses particulares, com raríssimas exceções.
No que diz respeito aos jornalões nacionais como Globo, Folha de São Paulo e Estadão, nunca houve dúvidas sobre o que eles defendem. Por isso sempre me causou espécie ver a intelectualidade brasileira de esquerda render-se ao feitiço da Folha, que insistiam em dizer que era o "mais democrático" ou que "pelo menos abria um espaço para a diferença". Ora, o jornal dos Frias pode ser comparado à velha historinha do lobo que estudou na França e voltou querendo ser amigo das ovelhas. Tanto insistiu com elas que havia mudado, que estava civilizado, que elas foram visitá-lo. Então, quando já estavam dentro da casa do lobo ele as comeu. Uma delas, moribunda, lamentou: "mas você disse que tinha mudado"... E ele, sincero: "Eu mudei, mas não há como mudar os hábitos alimentares".
E assim é com a Folha. Não consegui ficar indignada com o comentário sobre a "ditabranda". Isso é coisa normal na Folha. É isso que eles sempre defenderam e o que sempre vão defender. São os hábitos alimentares. A Folha sempre mentiu, sempre enganou, sempre esteve a serviço do poder instituído, dos interesses dos poderosos, do capital.
O que me indigna de fato é saber que gente de esquerda, sindicalistas, povo do movimento social assina e lê a Folha. Este devia ser um jornal para ser esquecido. "Ah, mas ali está a fala do poder, temos de conhecer". Ora, que se leia na banca, sem comprar, sem financiar este embuste. Se a Folha existe é porque muita gente boa a sustenta. E quando digo muita gente boa estou falando de gente que a critica. Sepulcros caiados. Bradam nas esquinas e a recebem em casa.
A Folha sustentou a ditadura, foi conivente com as mortes, com as desaparições, impediu o bom jornalismo, velou a verdade. O fez, o faz e o fará, sempre. A nós cabe construir o novo, novos veículos, com jornalismo de verdade, este que desvela, que analisa, que interpreta, que é forma de conhecimento. A Folha é boca alugada da elite, é lobo, é sistema de propaganda. A Folha é lixo e como tal deve ser descartada. Penso eu que se cada ser humano neste país que ficou indignado com a Folha deixar de comprá-la ela não se sustenta. Se ela serve a elite, que seja alimentada por ela somente.
Ah, essa nossa gente bonita... Se soubesse a força que tem!
* Elaine Tavares é jornalista.
Existe vida no Jornalismo
Blog: www.eteia.blogspot.com
Entenda o assunto:
No editorial de 17 de fevereiro, o jornal Folha de São Paulo chamou, o período da ditadura militar imposta a partir de 1964, de "Ditabranda". O neologismo empregado despertou a revolta de inúmeras pessoas.
Fonte: Elaine Tavares / www.eteia.blogspot.com