Jaime Septién *
Entrevista ao diretor da revista «Humanitas», Jaime Antúnez Aldunate
Por Jaime Septién
Com a conferência «O que é o valor?», o professor e jornalista chileno Jaime Antúnez Aldunate desempenha um papel fundamental neste primeiro dia de trabalho do Congresso Teológico Pastoral que acontece dentro do VI Encontro Mundial da Família no México.
Jaime Antúnez Aldunate é fundador e diretor, desde 1996, da «Humanitas» (www.humanitas.cl), uma das revistas mais importantes da América Latina sobre antropologia e cultura cristãs, pertencente à Pontifícia Universidade Católica do Chile.
É também autor do livro de entrevistas «Crônicas das idéias», no qual - entre celebridades como Jean Guitton, Julián Marías, Eugene Ionesco, Octavio Paz, Dalai Lama, Robert Spaemann, André Frossard e Josef Pieper - oferece uma conversa («O problema de fundo»), com o então cardeal Joseph Ratzinger, hoje Bento XVI.
A seguir reproduzimos a entrevista concedida a Zenit-El Observador pelo doutor em Filosofia.
- O que é «valor» (tema de sua conferência) em um mundo como o nosso que, segundo parece, tem fobia do que não é relativismo e subjetivismo?
- Jaime Antúnez Aldunate: Na linguagem normal se entende por valor, em geral, uma opinião estável, identificável com uma posição ética, por contraste com a mera opinião de conjuntura, como as políticas, as economias e outras do tipo. Entram assim na categoria da discussão de valores especialmente aqueles referidos como a família, o aborto, o direito à vida, a reprodução sexual e similares. Fala-se às vezes, a este propósito, da «questão valórica». Mas aqui é preciso fazer algumas distinções. Pois um valor, que poderia também ser entendido como um bem reconhecido enquanto tal, para ser efetivamente reconhecido como bem, precisa ser antes experimentado. Isso é algo da essência do valor quando se trata do tema da cultura.
A cultura, que o Concílio Vaticano II definiu como «estilo de vida comum que caracteriza um povo e que compreende a totalidade de sua vida», pode então ser vista, da perpsectiva dos valores, como bens que as pessoas experimentam na vida de uma sociedade. Por cultura pode-se entender neste sentido «o conjunto de valores que animam a vida de um povo e de desvalores que o enfraquecem», ou as formas através das quais aqueles valores ou desvalores expressam e configuram os costumes, a língua, as instituições e a convivência em geral.
A tradição aristotélica falava mais de virtudes. Mas seja como for, virtudes ou valores, uns e outros o são enquanto realidades vividas e não enquanto meras opiniões. Se não são capazes de cultivar a pessoa - no sentido de germinar nela um cultivo de seu ser -, estamos no campo de simples justificações ou enteléquias racionais, sem vínculo entitativo com o bem, a verdade e a beleza. Andaríamos por aí na direção do niilismo, segundo definiu Nietzsche, situação em que os valores se rompem, deixam de ter força, perdem sua finalidade, onde não existe resposta à pergunta «por quê?».
E isso sim que é subjetivismo e puro relativismo. Se falamos de relativismo dos valores, vejamos sobretudo o campo da experiência. Pois o relativismo tem a ver, mais que com a linguagem e os discursos, principalmente com as rupturas familiares, com a secularização da mulher, com a crise social da figura do pai, com a vontade de um compromisso, e tantas e tão variadas atitudes do tipo. O valor não se sustenta em um discurso, como é claro, mas em uma forma de ser pessoa. Em uma cultura, portanto. O relativismo e o subjetivismo germinam na ausência desta.
- A família perdeu força frente aos meios eletrônicos de comunicação no que se refere à formação de valores humanos e cristãos dos filhos?
- Jaime Antúnez Aldunate: O servo de Deus João Paulo II falava, por exemplo em sua «Carta às Famílias» de 1994, do drama dos modernos meios de comunicação sujeitos à tentação de manipular a mensagem, falseando a verdade sobre a pessoa humana, produzindo com isso profundas alterações no homem de nosso tempo, «a ponto de poder falar-se neste caso de uma civilização doente», dizia.
Em 18 anos aconteceram muitas coisas e o problema se agravou consideravelmente, envolvendo inclusive outras dimensões.
Por exemplo, considere só a crescente dependência em que os jovens vivem hoje dos mais variados meios de comunicação eletrônicos, que a tecnologia vai oferecendo cada dia. É claro que - à margem da proveitosa utilidade que obviamente muitos podem gerar de seu bom uso - vai se generalizando o hábito mental de viver «conectado», situação preocupante pela forte carga desumanizadora que possui, a qual desloca o natural e pessoal viver «comunicado», termo que caracteriza uma sociedade de pessoas humanas.
Quanto ao segundo, a palavra o diz, é próprio da comunhão interpessoal, não acontece o mesmo com a conexão, crescentemente impessoal, ativadora e sintomática, por sua vez, da solidão em que vive o homem contemporâneo, em particular milhões de jovens.
Tudo isso, uma vez perfurada a relação entre as pessoas - e em concreto entre as pessoas da família - é um venenoso substituto frente ao enfraquecimento generalizado que a comunhão pessoal vem sofrendo.
Mas digamos algo mais. Este processo, em suas marcas psicológico-culturais, é o perfeito pórtico de uma mística niilista - mística «do nirvana», poderíamos chamá-la, pois o aparente aqui se sobrepõe ao real - onde o homem se submerge em um universo de ilusões. Em um contexto como o presente, que tende ao predomínio do virtual, onde a aparência é vivida como realidade, transparece uma profunda sintonia com estes fenômenos místico-niilistas. Não estranha assim que as manifestações destes misticismos niilistas proliferem hoje massivamente, expressando-se através de variadas formas, desde a chamada Nova Era - suculentamente publicitada - até o campo das músicas populares. Como exemplo típico do último, repare na letra da popular canção de John Lenon, «Imagine» (Imagine there's no heaven/ It's easy if you try/ No hell bellow us / Above us only sky / Imagine all the people Living for today.../ Imagine there's no countries / It's isn't hard to do / Nothing to kill or die for / And no religion too / Imagine all the people / Living life in peace...).
- Que papel devem desempenhar os leigos - concretamente os leigos nos meios de comunicação ou na política - para redesenhar uma estratégia na qual a família volte a ser a formadora de valores?
- Jaime Antúnez Aldunate: Respondo com umas palavras muito justas de Bento XVI, dirigidas a um grupo de bispos em visita «ad limina», que acabo de ler em uma seleção de L'Osservatore Romano: «Um dos principais objetivos da ativiadde do laicado é a renovação moral da sociedade, que não pode ser superficial, parcial e imediata. Deve caracterizar-se por uma profunda transformação do ethos dos homens, ou seja, pela aceitação de uma oportuna hierarquia de valores, segundo a qual se formem as atitudes».
Essas palavras são uma perfeita síntese do que conversamos, e resposta última e certeira ao que você me pergunta. Os leigos têm uma responsabilidade essencial nessa profunda transformação, hoje mais necessária que nunca, que requer o ethos, ou seja, a hierarquia dos valores. Mas não valores em geral, pelo que diz o Papa, mas valores ancorados em atitudes vividas, as únicas capazes de dar forma a uma cultura.
Os argumentos não são suficientes. A primeira cristandade se construiu com o sangue dos mártires.
- Como conhecedor de perto do atual Papa Bento XVI, quais são as linhas fundamentais do pensamento do Santo Padre sobre a relação mundo moderno-família-valores?
- Jaime Antúnez Aldunate. O Santo Padre vem falando, cada vez com mais beleza e profundidade, da necessidade que o homem de nosso tempo tem de sair do reducionismo em que o pôs a razão ilustrada. Foi esta a chave de seu célebre discurso na Universidade de Ratisbona, Alemanha, em setembro de 2006, após seu discurso - não pronunciado - à Universidade La Sapienza, em Roma. Da mesma forma em Paris, da bela alocução diante dos construtores da sociedade. Em todas essas ocasiões, ele mostrou que a razão não pode perder de vista a amplitude do logos nem limitar-se a um pensar puramente empirista.
Mas parece-me que este apelo do Papa se entende plenamente quando se compreende que essa racionalidade do logos está em linha com a experiência. Ou seja, mais uma vez, com os valores encarnados na vida. Esta formulação se entende perfeitamente ao olhar a experiência da santidade na história da Igreja. O próprio Bento XVI declarou estar convencido de que a verdadeira apologia da fé cristã, a demonstração mais convincente de sua verdade contra qualquer negação, encontra-se, por um lado, em seus santos - uma força humana que procede do divino e que visivelmente refaz a face da terra - e por outro, na beleza que a fé gera.
A família é uma espécie de pedra fundamental dos valores assim entendidos, frente às graves necessidades que afligem o mundo moderno.
* Jaime Septién, Zenit
Fonte: Zenit