Egon Heck *
"Nos solidarizamos com o sofrido povo Kaiowá Guarani, e com todos vocês que o acompanham. Com muita indignação e apesar de tudo com muita esperança, sigamos. Um forte abraço e a paz subversiva do Evangelho".
Pedro Casaldáliga (Mensagem enviada ao Cimi-MS, 25 maio de 2009).
"Na tarde de ontem, durante a visita do governador a Dourados, os proprietários da área pediram o apoio de André para que intercedesse junto aos diretores da Polícia Federal visando garantir o cumprimento da ordem judicial. Ficou definido que se a PF não tiver como executar a ordem até segunda-feira(dia 25), o Estado vai acionar a Polícia Militar no dia seguinte." (Dourados News, 19/05/09)
Céu estrelado em Campo Grande. Corações angustiados, apreensivos. Duas dezenas de indígenas e representantes dos movimentos sociais vão se juntando para ir até o município de Rio Brilhante. Vão encontrar-se com membros da aldeia dos Kaiowá Guarani "Laranjeira Nhanderu". Vão levar a eles a solidariedade e repúdio contra a expulsão marcada para hoje. Serão vozes e porta vozes de milhares de pessoas que pelo Mato Grosso do Sul, Brasil e mundo gostariam de estar dizendo a mesma coisa: A negação à terra tradicional é uma violência sem igual! Um dia a terra voltará a ser Kaiowá Guarani, é a palavra de Nhanderú, e a paz voltará como fruto da justiça!
Rosalino, liderança da Terra Indígena Yvy Katu, município de Japorã, que retornou a seu tekohá em 2003, ligou preocupado. "Me avisaram que vão botar nossos parente na beira da estrada. Fiquei muito triste. Estamos prontos para ajudar. Não deve acontecer isso, assustar as crianças e os nhanderu e nhandesi. Não podemos deixar isso acontecer". Assim como ele, outras lideranças do povo Kaiowá Guarani manifestaram sua preocupação e apreensão. A professora Léia, que tem seu sogro e sogra na comunidade, está angustiada em pensar que com essa aldeia poderá se repetir o que aconteceu com eles em Nhanderú Marangatú no dia 15 de dezembro de 2005, quando foram despejados com grande contingente da Polícia Federal, armados com fuzis e utilizando helicóptero, "como se fossemos bandidos", lembra.
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Brilhante vem acompanhando os acontecimentos desde o início de retorno dos índios ao tekohá. Tem procurado prestar o apoio possível e eles que, como tantos outros, acampados sem terra lutam para ter paz e justiça para viver com dignidade, nessa região do boi e do agronegócio. Onorail, presidente do sindicato lembra "os índios são explorados e jogados por aí como tantos trabalhadores da terra. Nós defendemos e apoiamos o direito deles".
Ato no portão com cadeado
Depois de percorrer os 170 quilometros de Campo Grande até o km 08 da BR163, próximo ao Rio Brilhante no município do mesmo nome. Chegando próximo ao local os índios solicitaram aos membros da caravana que fizéssemos o encontro com eles num outro local que não próximo ao portão pois aquele local estava cheio de fazendeiro. Após breves informações sobre os objetivos e integrantes da caravana da solidariedade e com a presença da administradora regional da Funai, Margarida Nicoletti, decidimos ir ao encontro dos índios no portão de entrada da aldeia e fazenda. A representante da Funai foi informando de que não seria possível ir visitar a aldeia pois até o órgão indigenista estava impedido de entrar até mesmo para entregar as cestas básicas. "Ali só deixam entrar com ordem judicial". Apesar da indignação de ver cerceado o direito de ir e vir, decidimos ir até a porteira. Lá estavam uns vinte carros de fazendeiros.
Do outro lado da porteira algumas dezenas de Kaiowá Guarani. Após rápidas conversas com os indígenas as lideranças indígenas e dos movimentos sociais subiram na carroceria do caminhão falando aos representantes da comunidade ali presentes. Foi ressaltado o absurdo desse momento em que um Estado com tantas riquezas e terras, estar despejando para a beira da estrada os primeiros habitantes de suas terras tradicionais. Os representantes indígenas da Comissão Nacional de Política Indigenista, da Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal, da Comissão de Direitos Kaiowá Guarani e do movimento de Mulheres Terena expressaram o mesmo sentimento. Continuem lutando que mais cedo ou mais tarde a terra que é de vocês estará em vossas mãos novamente. O tom das falas foi de animo e continuidade na luta, apesar de todas as ameaças e insegurança, pois só com muita união e esperança vencerão.
Sem confrontar os sisudos fazendeiros que se esmeravam em ouvir e fotografar os participantes da caravana, a caravana deixou o local com a certeza de que os indígenas sairão vitoriosos e de que ver e sentir tamanha covardia e sofrimento os deixara mais próximos e solidários com esse povo.
Decisão adiada
Até o final do dia não havia nenhuma decisão dos desembargadores da Justiça Federal Regional , 3ª. Região, de São Paulo. É Muito provável que o agravo só seja julgado amanhã de manhã, e a partir daí se definirá a sorte da comunidade. Existe grande confiança da comunidade indígena de uma decisão favorável a eles. Portanto esse será mais uma noite de apreensão, mas também de muita expectativa de que poderão permanecer na sagrada terra tradicional.
Que Nhanderu e todos os guerreiros Guarani protejam a aldeia e Terra Indígena Laranjeira Nhanderu.
* Egon Heck, Cimi MS, Rio Brilhante-MS, 26 de maio de 2009.
Fonte: Egon Heck / Cimi MS