Mulheres com familiares desaparecidos sofrem ainda mais a opressão de gênero

Marcela Belchior

Na condição de esposas, mães, irmãs e filhas de pessoas desaparecidas, mulheres de várias partes do mundo não apenas sofrem um caminho acidentado em busca de resoluções para os casos e soluções para encontrarem um parente. Situações geradas pelas desigualdades de gênero impõem a elas uma série de penalidades extras.

A conclusão é apontada em uma recente pesquisa realizada pelo Centro Internacional para a Justiça Transicional (ICTJ), que atua em mais de 30 países, apoiando necessidades locais e promovendo o intercâmbio de experiências. Na América Latina, a situação é particularmente preocupante na Colômbia, cujo conflito armado interno já dura mais de 50 anos. No México e América Central, os desaparecimentos forçados também são frequentes tendo em vista a guerra contra o narcotráfico e o deslocamento de migrantes rumo aos Estados Unidos.

Segundo a entidade, as opressões de gênero, muitas vezes, se sobrepõem aos prejuízos econômicos, legais, sociais e psicológicos dessas mulheres, que buscam um parente, que, em muitos casos, era provedor da família. A perda obriga o público feminino a aceitar trabalhos mal remunerados e inseguros, além das mulheres se exporem a riscos de serem exploradas ou que vulnerem seu bem-estar e a educação dos seus filhos. Além disso, na maioria dos casos, esposas de pessoas desaparecidas não podem ter acesso aos bens do marido nem têm direito a benefícios sociais, que as amparem na ausência do companheiro.

Segundo a pesquisa, muitas mulheres se veem obrigadas a declararem falecidos os parentes como única saída para receberem algum benefício social por parte do Poder Público. Socialmente, as mulheres podem, inclusive, sofrerem condenação por parte da própria família pelo desaparecimento do companheiro, deixando-a em situação de ostracismo por tratá-la como uma carga financeira.

Em culturas com o patriarcado mais forte, esposas de homens desaparecidos perdem o respeito e posição social, sendo estigmatizadas e marginalizadas. O temor de perderem a custódia dos próprios filhos também contribui para que essas mulheres aceitem a ajuda dos demais familiares, porém perdendo sua autonomia na organização e manutenção das necessidades cotidianas.

De acordo com o estudo, as mulheres que lidam com o desaparecimento na família sofrem de um mal chamado "perda ambígua", causado pela constante incerteza e pela tensão gerada pelo desaparecimento forçado. A ausência dos parentes coloca ainda as mulheres na linha de frente da busca por respostas, muitas vezes, à custa de riscos pessoais, como ameaças, sequestros e violência psicológica.

De acordo com Amrita Kapur, do ICTJ, compreender as necessidades concretas das mulheres ajuda governos e entidades a conceberem programas e criarem instituições que afrontem, eficazmente, as consequências de longa duração para as mulheres que lidam com casos de desaparecimento forçado. "Para facilitar o luto público e o processo de cicatrização de feridas, também são importantes as reparações simbólicas, que devem ser feitas depois de consultar familiares e comunidades, com a finalidade de impedirem a retraumatização e o rechaço do entorno", afirma Kapur.

Nesse sentido, ela recomenda, por exemplo, que, em monumentos a desaparecidos, se reconheça também o papel das mulheres como ativistas e defensoras da verdade e da justiça. Tal medida ajudaria a superar estereótipos que ainda as retratam como vítimas passivas.

Nos últimos 35 anos, em mais de 80 países do mundo, desapareceram, de maneira forçada, dezenas de milhares de pessoas, em consequência de conflitos ou atos de repressão. O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas foi o primeiro a reconhecer, internacionalmente, este direito, no ano de 1983, com referência ao Uruguai.

Juridicamente, esse status de desaparecido foi reconhecido, em 1988, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, com relação a um caso de desaparecimento forçado registrado em Honduras. A partir daí, a atuação dos governos diante dessa violação de direitos tem avançado no sentido de incluir a busca pela verdade, através de exumações, julgamentos, reparações e mudanças na legislação.

A Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados, de 2006, e ratificada pela Colômbia em 2012, consagra o direito dos familiares das vítimas a conhecer a verdade sobre seus parentes e obter reparações.

Fonte: www.adital.com.br

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