Marcela Belchior
Rememorando a história política brasileira e congregando gerações em torno de ideais sociais, o Coletivo Frei Tito Vive celebrou, na última semana, a luta do frade dominicano que sofreu dura repressão do Regime Militar no Brasil (1964-1985). Nos dias 08 e 09 de agosto, na cidade de São Paulo, uma extensa programação debateu o legado do militante, encerrando o período de comemorações que se deu ao longo de 2014.
Neste mês de agosto, completam-se 40 anos que Tito de Alencar foi induzido ao suicídio, na França, devido às torturas sofridas pela ditadura, quando tinha apenas 28 anos de idade. Nascido na cidade de Fortaleza (Estado do Ceará), ele foi diretor da Juventude Estudantil Católica, estudou Filosofia na Universidade de São Paulo (USP) e, em 1968, foi preso por participar do congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes (UNE), na cidade de Ibiúna (Estado de São Paulo). Tornou-se, então, alvo de perseguição da repressão militar.
"O Brasil ainda guarda fortes sequelas dos 21 anos de regime militar (...) e nossa democracia permanece dominada pelos mesmos grupos econômicos que, patrocinados pela Casa Branca, subverteram nossa ordem constitucional e implantaram o terror como forma de governo", escreveu Frei Betto, membro do Coletivo Frei Tito Vive, no blog do evento.
"Comemorar (no sentido de fazer memória) Frei Tito é combater o ‘memoricídio', esse empenho das forças conservadoras para impedir que os jovens conheçam a história recente do Brasil", complementou Betto. Ele conviveu com Tito na Ação Católica (conjunto de movimentos da Igreja Católica no século XX para ampliar sua influência na sociedade), na Ordem Dominicana (ordem religiosa que prega a palavra e am ensagem de Jesus Cristo, e a conversão ao catolicismo) e no Presídio Tiradentes (em São Paulo, que abrigou presos políticos na Era Vargas e no Regime Militar).
Para Bruno Alface, integrante do Movimento Juvenil Dominicano no Brasil, membro do Coletivo Frei Tito Vive e parte da equipe de organização do evento, a importância de cultivar a memória do militante passa pela necessidade de organização das novas gerações de resistência. "Eu não vivi a ditadura militar, nem a tortura que Tito viveu, mas eu sofro com a herança da política militar, que ainda prende e tortura gente inocente", afirma em entrevista à Adital.
"A antiga geração tem noção de algumas pedras no caminho que a nova geração ainda não tem. (...) A gente não cria nada. A gente moderniza as lutas. O fio condutor na história é um só; a causa só foi se atualizando", complementa Bruno, que tem 23 anos de idade e participou das Jornadas de Junho em 2013.
A partir de agora, o Coletivo deverá se integrar ao debate em torno de um Projeto de Lei, no Município de São Paulo, que propõe a mudança do nome da rua Doutor Sergio Fleury, no bairro Vila Leopoldina, para "rua Frei Tito de Alencar". Fleury foi o torturador de Frei Tito. Ele atuava como delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) do governo federal e ficou conhecido por sua pertinácia na perseguição e assassinato dos opositores ao regime.
A pretensão é levar a discussão aos moradores da região, sensibilizar a população para a causa. "É preciso que a comunidade local integre esse processo. Sensibilizar e não simplesmente trocar de maneira arbitrária", explica Bruno. Fundado em 2013, para pensar e organizar atividades que façam memória aos 40 anos do martírio de Frei Tito Alencar Lima, o Coletivo Frei Tito Vive é composto por mulheres, homens e movimentos sociais.
Reflexão sobre resistência, educação e libertação
No último dia 08 de agosto, aconteceu a "Celebração pela vida e ressurreição de Frei Tito de Alencar Lima", com participação de Dom Angélico Sândalo Bernardino, Frei Betto e Frei João Xerri, além de familiares e amigos de Frei Tito, na Igreja São Domingos. Em 09 de agosto, a programação realizou o seminário "Frei Tito e a revolução brasileira: reflexões a partir dos escritos de Tito sobre resistência à ditadura, educação popular e socialismo", no auditório Frei Tito de Alencar Lima, do Colégio Rainha da Paz, em São Paulo.
Na ocasião, o professor de Literatura Alfredo Bosi proferiu a palestra de abertura recordando a luta de Tito; enquanto o padre e teólogo José Oscar Beozzo e o economista João Pedro Stédile, que é membro da Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina, discutiram o sentido histórico da ditadura civil-militar no Brasil e o papel da Igreja na resistência armada.
As comemorações também contaram com um debate sobre educação popular como caminho para libertação, com a participação do professor Ivo Lesbaupin; e sobre socialismo e lutas contemporâneas, contando com o escritor Frei Betto e representantes do Levante Popular da Juventude, organização de jovens militantes voltada para a luta de massas, em busca da transformação da sociedade.
Fonte: www.adital.com.br