Paulo VI, o papa do Vaticano II

Domingos Zamagna *

O papa Paulo VI, que governou a Igreja Católica entre 1963 e 1978, no difícil período após o II Concílio do Vaticano (1962-1965), será beatificado em Roma, no próximo domingo (19/10), quando termina o Sínodo dos Bispos que acaba de discutir os problemas da família e suas relações com a Igreja.

A Igreja se serve das beatificações, primeiro passo para as canonizações, para mostrar a sua vitalidade. Afirmar que homens e mulheres viveram efetivamente a mensagem de Jesus Cristo, significa que esta mensagem, além de verdadeira, não é utópica ou quimérica, mas pode realmente servir para levar as pessoas à felicidade. Não há espaço reservado para se viver a mensagem evangélica, ela permeia todo o tecido da realidade humana, tanto que há beatos e santos desde o mundo da escravidão, da pobreza, da infância e da juventude, até políticos, cientistas, artesãos, médicos, professores...

Giovanni Battista Montini, futuro Paulo VI, nasceu em 1897, em Concessio, província de Brescia, norte da Itália. Era filho de um advogado e jornalista, várias vezes parlamentar. Teve dois irmãos: o mais velho, senador; o mais novo, médico. O pai morreu em janeiro de 1943 e mãe, em outubro de 1943.

De saúde frágil, faz seus estudos humanísticos alternando a escola pública e aulas particulares em casa. Em 1916 inscreve-se no seminário diocesano de Brescia, mas por causa da saúde não foi um aluno interno. Conseguiu concluir os estudos de filosofia e teologia e foi ordenado sacerdote em 29 de maio de 1920, aos 23 anos.

Em 10 de novembro de 1920 don Montini chega em Roma para prosseguir estudos de especialização, que os faz nas universidades Gregoriana (eclesiástica)e La Sapienza (leiga, do estado italiano), como a indicar sua constante abertura para o mundo leigo.

Seus superiores identificam nele qualidades para o serviço diplomático, e o encaminham para cursar a prestigiosa Academia Capranica, onde se formam os diplomatas da Santa Sé e onde ele se doutora em Direito.

A Santa Sé o designa para serviços nas nunciaturas da Alemanha, Áustria e Polônia, ao mesmo tempo em que acompanha de perto do desenvolvimento da política do Reino da Itália, com a perigosa aproximação do PPI (Partido Popular Italiano, fundado em 1919 por don Luigi Sturzo, baseado na Doutrina Social da Igreja) com o partido de Mussolini. É com esta preocupação que Montini recebe a função de Capelão Nacional da Juventude Universitária Italiana. Este trabalho de caráter cultural e pastoral é levado adiante em diálogo com a filosofia de Jacques Maritain, cuja obra Humanisme Integral (1935-36), de repercussão internacional, Montini traduz para o italiano.

Com a morte de Pio XI em 1939 e a ascensão ao papado do Cardeal Pacelli (Pio XII), Montini passa a desenvolver intenso trabalho diplomático, que persiste também depois da Segunda Guerra, tornando-se um dos colaboradores mais próximos do papa, numa época de conflitos internos da Igreja.

Em 1954 Montini é nomeado por Pio XII arcebispo de Milão, uma das mais importantes arquidioceses católicas do mundo e passa a ter a experiência pastoral que lhe faltava para ser considerado um prelado plenamente maduro. Foi, de fato, um pastor extremamente dinâmico. Foi na qualidade de arcebispo de Milão que aceitou o convite do presidente Juscelino Kubitschek para conhecer Brasília, onde desembarcou, vindo dos Estados Unidos, em 11 de junho de 1960, estendendo a sua viagem a São Paulo e ao Rio de Janeiro, onde recebe da PUC-RJ o título de Doutor Honoris causa.

Em 1958 o patriarca de Veneza, cardeal Roncalli, é eleito papa, e escolhe o nome de João XXIII. Foi João XXIII quem nomeia Montini cardeal. Em 25 de janeiro de 1959 o papa anuncia a intenção de convocar um concílio ecumênico, para completar os trabalhos do I Concílio do Vaticano, interrompidos em 1870.

Desde o dia seguinte ao anúncio feito por João XXIII, Montini se torna um dos mais efusivos apoiadores destas históricas assembleias, embora tenha sido bastante discreto na primeira sessão (1962), tomando a palavra apenas duas vezes.

João XXIII morre em 3 de junho de 1963. Montini, na catedral de Milão, faz o elogio fúnebre do papa: "seu túmulo não consegue comportar sua herança, sua morte não lhe pode apagar o espírito".

No dia 19 de junho de 1963 abre-se o conclave em Roma. Papabili são: cardeal Siri, de Gênova; cardeal Lercaro, de Bologna; e o próprio Montini, de Milão. No final do sexto escrutínio, com não menos de 60 votos, aos 65 anos de idade, Montini é eleito papa e se impõe o nome de Paulo VI. No dia seguinte, dirigindo-se aos cardeais reunidos na Capela Sixtina, declara que seus principais objetivos serão principal: dar continuidade ao Concílio, trabalhar pela paz no mundo, trabalhar pela união dos cristãos.

De fato, Paulo VI será conhecido para sempre como o papa que deu prosseguimento e aplicação ao concílio do Vaticano II, para a renovação e o aggiornamento da Igreja; o grande promotor da Justiça e Paz entre os povos, e o batalhador pelo ecumenismo e o diálogo inter-religioso, como se pode perceber por alguns de seus gestos:

Viagem a Jerusalém para encontrar-se com as lideranças das religiões monoteístas (Judaísmo, Islamismo, Ortodoxos); visita ao CMI e recepção ao Dalai-Lama; visita à ONU, à OIT, à FAO.

Viagens apostólicas ao Terceiro Mundo e outras nações: América Latina (Conferência de Medellín), África (Uganda, primeira visita de um papa à África), Ásia (Índia, Bangladesh, Indonésia, Sri Lanka), Filipinas (onde escapa de um atentado); Hong-Kong, Austrália, Turquia, Portugal.

Dentre tantas outras iniciativas tomadas por este papa da modernidade,
devemos assinalar que precisou gerir as fortes tensões desencadeadas após o concílio dentro da Igreja e na sociedade civil italiana. Por ocasião dos "anos de chumbo" do terrorismo de extrema direita e extrema esquerda na Itália (seu amigo Aldo Moro, dirigente da Democracia Cristã, foi assassinado pelas Brigadas Vermelhas em 1978).

Enfim, não podemos deixar de aludir aos textos produzidos por Paulo VI, alguns deles podem ser considerados dos mais importantes da história do papado, a saber: as encíclicas Ecclesiam suam (1964, sobre a consciência da Igreja e o diálogo), Mysterium fidei (1968, sobre a doutrina e o culto à Eucaristia), Populorum progressio (1967, sobre o desenvolvimento), Humanae vitae (1968, sobre o casamento e o controle da natalidade) e exortação apostólica Evangelii nuntiandi (1975, sobre a evangelização). Foi também quem instituiu o Dia Mundial da Paz (desde 1º de janeiro de 1968), com mensagens anuais de ampla repercussão entre os povos.

O papa Francisco é um homem formado pelo espírito do Vaticano II e sua juventude, como estudante de filosofia e teologia, coincide com os anos de pontificado de Paulo VI. Como um dos seus sucessores, talvez seja quem mais pode apreciar o significado desta beatificação, isto é, da proclamação pública de que Paulo VI praticou as virtudes evangélicas da fé, da esperança e do amor na plenitude da perfeição espiritual a que pode atingir um ser humano.

* Domingos Zamagna é jornalista e professor de Filosofia.

Fonte: Revista Missões

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