Alfredo J. Gonçalves *
"E agora, José? / a festa acabou, / a luz apagou, / o povo sumiu, / a noite esfriou, / e agora, José? / E agora, você? / Você que é sem nome, / que zomba dos outros, / você que faz versos, / que ama, protesta, / e agora, José?"
Poucas vezes o poema de Carlos Drummond de Andrade serviu tão bem para exprimir um sentimento nacional de abatimento e decepção. O sonho do "meu Brasil hexa campeão", cantado por milhões de bocas e corações, converteu-se em pesadelo. De imediato, é necessário deixar claro que qualquer sentimento deve ser visto com respeito e reverência, mais ainda quando se estende a todo território nacional e à alma da imensa maioria dos brasileiros e brasileiras. A regra é jamais brincar ou jogar com o sofrimento e as lágrimas alheias, sejam quais forem suas motivações. Dor, fome e solidão costumam ser três irmãs gêmeas, que não podem esperar.
Feita essa ressalva, o desencanto da "seleção canarinho" na Copa do Mundo, e ainda por cima dentro da própria casa, levanta uma série de interrogações sem resposta. Interrogações dos mais diversos enfoques e pontos de vista. Deixando de lado os questionamentos e críticas sobre a tática, técnica e estratégia do futebol propriamente dito, deslocamos o eixo do problema para outra pergunta não menos importante. Até que ponto, ou em que maneira, os resultados do campeonato mundial poderão influenciar os destinos da política e da economia brasileiras?
A pergunta nos parece tanto mais válida, quando nos damos conta que estamos em plena campanha eleitoral para a Presidência da República, os governos estaduais e outros cargos de caráter legislativo. De alguma forma, a autoestima dos torcedores mais aguerridos, e do povo brasileiro em geral, viu-se abalada pelas derrotas sofridas. Não terá tal sentimento um reflexo sobre a autoestima dos cidadãos eleitores que logo serão chamados às urnas? Afinal de contas, os "torcedores" e os "eleitores" constituem uma coisa só. Por ouro lado, convém não esquecer que a relação entre o esporte e a política econômica jamais será mecânica e automática, mas sempre permeada por inúmeros fatores.
Passada a euforia da onda verde e amarela, apagadas as luzes e silenciados os aplausos ou vaias, sufocados os gritos de "gol" - agora, José, é preciso descer das arquibancadas. Deixar o estádio, desligar a "telinha", guardar a bandeira nacional e voltar à rotina diária. E então reemergem, por trás da fumaça passageira dos fogos e da alegria e/ou tristeza, a condição real da saúde e educação públicas, do transporte coletivo e da segurança, do déficit habitacional e do trabalho e relações trabalhistas.
O confronto entre os gastos para a realização da Copa do Mundo e os gastos com as políticas públicas já foi feito e refeito por inúmeros analistas esportivos e político-sociais. O mesmo vale para o contraste entre, de um lado, o padrão Fifa na infraestrutura do evento internacional e, de outro, a precariedade dos serviços essenciais à população de baixa renda. Nas análises e críticas, torna-se mais ou menos evidente que a tomada de decisões se direciona quase sempre a privilegiar a elite que mora no topo da pirâmide social, em detrimento dos que habitam o andar inferior.
Agora, José, trata-se de por os pés no chão, entrar num outro tipo de jogo, desta vez político, e responder com o voto a tantas interrogações. Desnecessário lembrar que a participação de todos e de cada um torna-se decisiva para um programa sério, de longo prazo e consequente de mudanças urgentes e necessárias. Mudanças profundas, estruturais, econômicas, e não apenas na superfície das marés políticas (ou politiqueiras). Mudanças que efetivamente retomem nas mãos o "piloto manual" da gigantesca nave Brasil, para dar-lhe um rumo justo, solidário, social e ecologicamente sustentável, deixando para trás o tempo em que a política econômica parecia navegar sob as regras férreas do "piloto automático" do mercado total, no contexto da economia globalizada e neoliberal.
Roma, Itália, 13 de julho de 2014
* Alfredo J. Gonçalves é Conselheiro e Vigário Geral dos Missionários de São Carlos.
Fonte: Revista Missões