Alfredo J. Gonçalves *
Como ponto de partida, convém assinalar a distinção entre autoridade e autoritarismo. Este constitui o exato oposto daquela, negando-a em sua raiz mais profunda. A autoridade, de fato, nasce e se difunde não com o grito e a força, o domínio ou a opressão. Ao contrário, cresce com o testemunho, a persuasão ou com os argumentos da razão. Por que "Jesus ensinava como quem tem autoridade" (Mc 1,22)? De onde lhe vem esta? Emergem, de imediato, alguns aspectos da autoridade inquestionável de Jesus: a intensa escuta da vontade do Pai, a continuidade/descontinuidade com a tradição religiosa do Povo de Israel, a sensibilidade para com os pobres e marginalizados, os espaços de partilha do pão e da vida.
Silêncio e oração. De acordo com os relatos evangélicos, eram frequentes e prolongados os momentos de intimidade com o Pai na vida pessoal e na prática evangélica de Jesus. Os estudiosos do Novo Testamento são unânimes em sublinhar essa recorrência no ministério público do Nazareno. Nesta, o silêncio e a oração aparecem claramente como sinônimos, o que significa escuta mística e profunda da vontade de Deus. A esse respeito, Jesus jamais fala por si mesmo, mas sempre em nome d'Aquele que o enviou. " O Pai e eu somos um" (Jo 17,30). Prova disso é a oração do Pai Nosso como herança deixada aos discípulos (Lc 11,1-4).
Os títulos de Senhor, Cristo, Ressuscitado ou Messias, também conforme a maioria dos estudiosos, difundem-se não com o ministério público do próprio Jesus, e sim com o cristianismo primitivo. O núcleo das obras e mensagem do Nazareno gira em torno da órbita do Reino de Deus. Com efeito, o "já" e o "ainda não" do reino constitui a Boa Nova do Evangelho. Tal sintonia com o Pai revela-se um aspecto fundamental da autoridade de Jesus, sobretudo no confronto com o comportamento incoerente e hipócrita dos escribas, fariseus e saduceus. Estes não deixavam de referir-se ao Deus de Abraão, de Iasaac e de Jacó, mas o haviam relegado ao rigor de uma lei férrea, ao passo que para Jesus Deus se converte no íntimo Abba (=Pai).
Antiga e nova aliança. A atitude do silêncio, oração e escuta mergulha suas raízes na longa trajetória do Povo de Israel. A consciência de "povo eleito" e "povo da aliança" assenta-se sobre dis pilares que permeiam praticamente todas as páginas dos livros do Antigo Testamento: memória e promessa. A memória remonta à experiência fundante e primordial da libertação do Egito (Ex 3,7-10; Dt 26,5-10). Na espiritualidade dessa experiência, Deus se revela como Aquele que "vê, ouve e conhece" a situação concreta do povo escravo, sob a tirania dos Faraós. Mas não é só isso! É também o Deus que "desce" e caminha com seu povo pelas estradas duras e agrstes do êxodo, do deserto, do exílio e da diáspora.
Enquanto os fundamentos da Lei se encarregam de recordar essa experiência mística através de um forte e veemente "lembra-te que foste escravo no Egito... (Dt 5,15), o movimento profético, por sua vez, atualiza-a através do binômio denúncia e anúncio, na perspectiva do direito e da justiça. No início do Evangelho de Lucas, o próprio Jesus alicerça a sua missão nas palavras do profeta Isaías (Lc 4, 16-20; Is 61,1-2). No contexto da expectativa em torno da vinda do Messias, a presença e as palavras desse "hebreu marginal" (John P. Meier) lhe conferem um novo aspecto de autoridade. Também neste caso torna-se evidente o contraste com seus opositores. Estes, tal como Jesus, buscavam a continuidade com a história de salvação do Povo de Israel, mas, diferentemente do Nazareno, haviam enrijecido de tal modo a "lei e os profetas", que continuidade e descontinuidade entram em conflito. Enquanto os escribas, fariseus e saduceus transformaram a aliança em um fóssil cristalizado, pesado e impraticável, o Galileu itinerante revela toda sua força dinâmica. Personifica o espírito vivo da nova aliança!
Opção pelos pobres. Neste item, as palavras jamais bastarão para sublinhar suficientemente a predileção de Jesus pelos marginalizados e indefesos, pelos pequenos e últimos. Se faltam as palavras, porém, sobram os gestos! O contexto sociohistórico em que o Mestre exerceu o seu ministério público é marcado por uma tríplice exclusão social, a qual pesava duramente sobre os pobres, doentes e pecadores, quase como se estes três termos fossem sinônimos. Mas na prática de Jesus, o seu olhar paterno-materno, com ressonância no "órfão, viúva e estrangeiro" do Antigo Testamento, ganha um significado de infinita misericórdia e compaixão.
Tanto é verdade que sua caravana nunca ignora e menos ainda atropela quem grita por socorro, mesmo quando o grito não passa de um toque tímido, silencioso e cheio de esperança, como é o caso da mulher que há doze anos sofria de hemorragia (Mc 5,25-34). Atento e solidário, e para escândalo de não poucos, Jesus se detém, cura, conforta e perdoa. Mas o grande ícone dessa sensibilidade e solidariedade para com os excluídos, à margem do caminho e da vida, vem da parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37), com a conclusão taxativa de "vai e faze o mesmo". Da mesma forma que a intimidade e sintonia com o Pai, a presença e empatia com as dores e esperanças dos pobres confere não poca autoridade à figura do Mestre. Mestre do caminho, não mestre do templo e da lei, de discursos ou de palavras vazias!
Partilha do pão e da vida. É amplamente conhecido entre os especialistas do Novo Testamento o contraste entre João Batista, o profeta austero, sisudo e solitário, cuja "voz clama no deserto" (Jo 1,23), e Jesus de Nazaré, o profeta itinerante e alegre (E. Scillebeecky), que vive e convive em meio às "multidões cansadas e abatidas, como ovelhas sem pastor" (Mt 9,35-38). Nessa convivência junto ao povo, por diversas vezes o Nazareno se faz convidar à casa e à mesa, ou promove Ele mesmo espaços de convivialidade, onde se realiza o intercâmbio entre o pão e a palavra que narra a existência da pessoa, grupo de amigos ou comunidade. É o que os sociólogos chamam de comensalidade (condividir pão e vida) e que, de um ponto de vista teológico, antecipa na trajetória pública de Jesus o grande banquete do Reino.
Diversamente dos profetas do Antigo Testamento e de João Batista, Jesus privilegia não o anúnco de um julgamento próximo e terrível, e sim a Boa Notícia de uma festa sem fim e aberta a todos, mas com inegável preferência para os pobres, os aflitos, os que choram, os mansos os perseguidos... Como se lê nas chamadas Bem-aventuranças (Lc 6,20-26; Mt 5,1-12), aos quais o evangelista Lucas contrapõe "os ricos, os que agora têm fartura, o que riem e os que são elogiados por todos". Em igual perspectiva, o episódio da multiplicação dos pães (Mc 6,35-42), o encontro da última ceia (capítulos de 13 a 17 do Quarto Evangelho) e, posteriormente, a celebração eucarística constituem sinais escatológicos do Reino definitivo. Semelhante atitude, evidentemente, contagia e faz vibrar cordas adormecidas no coração e na alma de quem se encontra com Jesus, conferindo-lhe uma vez mais autoridade.
* Alfredo J. Gonçalves, CS, é Conselheiro e Vigário Geral dos Missionários de São Carlos.
Fonte: Revista Missões