Vacas magras no Japão, vacas gordas na Coreia do Sul

Sandro Magister

Porque será que os coreanos se tornam cristãos e os japoneses não? Um grande missiólogo explica esse fenômeno ao aproximar-se a data da viagem do papa Francisco à Ásia.

As duas próximas viagens do papa Francisco têm como destino o continente asiático. Em agosto vai para a Coreia do Sul e em janeiro do próximo ano para as Filipinas.

Desde jovem, o papa Francisco desejava partir para a Ásia. Mais concretamente ser missionário no Japão. Queria ser missionário nesse país juntando-se a outros jesuítas, alguns deles até famosos. Dos últimos três superiores gerais dois foram missionários no Japão durante muitos anos: Pedro Arrupe, e o atual Adolfo Nicolás. E outro jesuíta, padre José Pittau, que foi reitor, durante muitos anos, na famosa universidade de Tóquio.

Apesar do enorme trabalho de jesuítas ilustres e de outros missionários, o catolicismo não conseguiu progredir no Japão. As conversões são raras e os católicos permanecem na pequena cifra de 0,35% da população.
Inversamente na Coreia do Sul, a igreja católica está crescendo admiravelmente , apesar de serem poucos os missionários que partiram para esse país.

A resposta dos bispos do Japão ao questionário de preparação do próximo sínodo, mostra que uma parte da responsabilidade da estagnação no Japão é atribuída à debilidade da das igrejas locais.
Mas a comparação entre a Coreia e o Japão no que se refere à abertura ao cristianismo coloca em evidência motivos mais profundos nessa diversidade de situação.

A explicação nos é dada de modo muito claro pelo perito nesse assunto, o padre Piero Gheddo, decano do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras de Milão, que conhece bem os dois lados e foi um dos principais redatores da encíclica missionária de João Paulo II, a "Redemptoris missio" , publicada em 1990.

Porque os coreanos se tornam cristãos facilmente e os japoneses não?

História e cultura do Japão e da Coreia são bem diferentes. O percurso histórico criou a possibilidade de uma evangelização na Coreia com resultados bem surpreendentes.
Passaram cinco séculos desde que São Francisco Xavier chegou a Japão (1549). Aí os batizados são apenas 440 mil numa população de 128 milhões de pessoas, ou seja 0,35% da população. Por outro lado os evangélicos são cerca de 500 mil.

Por sua vez a Coreia, onde o cristianismo entrou através de leigos, no fim do século 18, os católicos somam cerca de 5 milhões e 300 mil numa população de 50 milhões, ou seja mais de 10% da população, enquanto os evangélicos de várias denominações já são 8 milhões, 17% dos cidadãos. Esse crescimento é compreensível.
No Japão a fé cristã sempre encontrou resistências e na Coreia é recebida de braços abertos. Assim se compreende como o cristianismo está se tornando uma força fundamental do país.Desde os anos sessenta, metade dos presidentes da Coreia foram cristãos, inclusive aquele que foi o primeiro coreano a receber o premio Nobel da paz no ano 2.000, Kim Dae-jung. Ele fez tudo para que se chegasse à reconciliação entre as duas Coreias, a do norte e a do sul.

E os japoneses porque tão poucos se convertem?

No Japão as dificuldades são grandes. Os motivos são, sobretudo, de caráter cultural e religioso. As várias religiões ensinam que o ser humano é um dos tantos seres da criação na qual Deus se revela e está presente. O xintoísmo é muito marcante nisso. O confucionismo carrega uma visão muito estática da sociedade, na qual predominam o respeito e a obediência pelas regras que mantêm a harmonia entre o céu e a terra, entre o superior e o súbdito, entre política e economia. Segundo as normas éticas, cada um deve cumprir seu dever profissional com todo o empenho.
O budismo, por sua vez ensina o desapego pessoal de si mesmo, o desprezo pelas paixões e ideias pessoais, consideradas como individualismo pernicioso, e modela as pessoas para serem generosas e pacientes.

O povo japonês encarna estes princípios. Por isso é mais fácil ter bons trabalhadores, sóbrios, obedientes às normas de relacionamento. Daí brota uma sociedade onde tudo funciona como uma máquina e todos agem em grupo. O povo tem uma forte consciência unitária dos direitos da pessoa. A família integra bem estes valores e funciona como base social cujo crescimento continua a se desenvolver na educação escolar e profissional nas empresas, concebidas como uma grande família. Assim o espírito de colaboração, vivido na empresa, torna o trabalho mais produtivo e a pessoa se identifica mais facilmente com o que faz e pelo qual vale a pena se sacrificar, mesmo com horas extraordinárias não remuneradas.

"A incidência das religiões tradicionais, segundo a afirmação do padre Alberto Di Bello, missionário no Japão desde 1972, dá mais uma forte consistência à consciência do dever pessoal do que aos direitos da pessoa. O cristianismo, tendo entrado com moldura ocidental da modernidade focalizado nos direitos da pessoa humana, centralizado no indivíduo, não foi bem acolhido. A sociedade, o Estado, a pátria estão ao serviço da pessoa e a pessoa não está ao serviço de Estado e da sociedade". A diferença de visão de vida e de mundo em relação à cultura ocidental é muito grande.

A mentalidade do japonês é muito forte nesta visão de vida. O Padre Giampiero Bruni que vive no Japão desde 1973, me disse: "Se uma pessoa se sente consciente e livre pode mudar , pode fazer uma escolha diferente e converter-se. Mas sentindo-se muito apegado ao grupo e à cultura, não consegue. O japonês se sente obrigado a obedecer como todos fazem. O grupo tem a supremacia sobre a pessoa e se sair do seu grupo perde todo o relacionamento. Devemos ficar atentos às poucas conversões que hoje acontecem para perceber se são expressões de liberdade ou têm por trás outros motivos". 

Em contrapartida na Coreia do Sul no último meio século, os cristãos tiveram um crescimento incomparável. De 1960 a 2011 os habitantes aumentaram de 20 para 50 milhões. E a renda por pessoa passou de 1.300 dólares para 23.500. Os evangélicos passaram de 2 para 21,7% e os católicos de 0,5 para 10,3% da população, segundo as estatísticas da Conferência Episcopal local.

Cada ano os novos batismos chegam a 140 mil. Porque a palavra igreja é feminina na língua coreana, ela é entendida como "a grande Mãe". De fato, na frente de um grande número de igrejas está colocada uma imagem de Maria de braços abertos convidando as pessoas a entrar. Segundo as últimas estatísticas 41,5% dos católicos são homens e 58,5% são mulheres.

A maior parte das conversões acontecem nas cidades, pessoas que fazem parte da classe social mais elevada , profissionais, estudantes, artistas, políticos e militares, inclusive do mais alto nível. O homem que se tornou símbolo da igreja na Coreia foi o cardeal, Kim Sou-hwang, que foi arcebispo de Seul de 1968 a 1998 e projetou muito a igreja católica no campo social. Durante a prolongada ditadura militar fez da catedral de Myong-dong em Seul um refúgio para os opositores não violentos. Os militares nunca tentaram violar a catedral porque sabiam que era um lugar de defesa das pessoas. Durante anos o cardeal foi a figura mais influente na Coreia.

Há também um motivo histórico na base das motivações que atraem para a conversão. Durante meio século de ocupação japonesa, seguida por mais três anos de guerra civil entre o norte e o sul (1950-53), houve lutas violentas passando de casa em casa e destruição de muitas estrutura públicas e moradias. Padre Giovanni Trisolini, um dos primeiros salesianos que entraram na Coreia em 1956, me contava: "quando cheguei à Coreia o povo vivia numa grande miséria. Havia muitas ruínas, fruto do conflito que varreu o país inteiro. Nosso primeiro trabalho como missionários era o de procurar alimento para o povo faminto. Poucas estruturas funcionavam para o transporte viário e ferroviário. O país ainda estava ocupado pelos americanos que colocaram como primeiro objetivo a escolaridade num sistema moderno de educação. Foi daí que nasceram as novas gerações que deixaram o esquema tradicional, baseado na doutrina de Confúcio , herdada da China, pouca adaptada para o contexto e sem modernização.

A escoa passou a ser aberta para todos, também para as meninas com novas matérias e novas pedagogias, deixando de lado o sistema da cultura de Confúcio. Foi esta mudança que, em pouco tempo, fez elevar o nível econômico e preparou o caminho para o desenvolvimento e a democracia, dando espaço para o cristianismo para os direitos da pessoas e igualdade para as mulheres. Na Coreia do Sul, hoje não há mais analfabetos, a escola é obrigatória para todos e gratuita. O nível técnico e superior está aberto para a maioria. Na década de 60, a Coréia já era um dos países mais desenvolvidos da Ásia e na década de 80, juntamente com Taipei, Singapura e Tailândia estava no mais alto grau. Hoje o cristianismo tem uma atração maior do que o budismo e o confucionismo por cinco motivos:

1) Introduz a ideia de igualdade de todos os seres humanos criados por Deus, pai de todos e, sobretudo, o princípio da igualdade entre homem e mulher, respeitando a complementaridade e a diversidade de gênero. Na cultura, inspirada em Confúcio, a mulher não dispõe da mesma dignidade e dos mesmos direitos do homem. Quando a predominância era de Confúcio, a mulher vivia como submissa ao marido e as filhas não tinham o direito de ir para a escola. Enfim, segundo Confúcio, a mulher era "um homem inacabado".

2) Os católicos se distinguem dos evangélicos no que toca à livre participação nos movimentos sociais que se organizaram para derrubar a ditadura popular entre 1961 e 1987. O confucionismo e o budismo defendem a obediência total à autoridade constituída. Se na Coreia e nas Filipinas, as ditaduras militares caíram não foi graças a lutas violentas mas com "revoluções de flores" foi, sobretudo, por causa das pressões da opinião pública desenvolvida pelas comunidades cristãs.

3) O cristianismo é a religião do Livro, de um Deus pessoa, contrariamente ao que o xamanismo e o budismo apregoam que nem sequer verdadeiras religiões são, mas sistemas de sabedoria humana e de vida. E não têm uma organização e uma liderança a nível nacional que represente os adeptos. Na verdade, existem algumas tentativas de coordenação entre os vários centros religiosos e os mosteiros budistas , mas cada um caminha pro conta própria.

4) Católicos e evangélicos construíram ao longo dos anos um grande número de escolas em todos os níveis, inclusive universidades - 12 delas são católicas - que se apresentam como as melhores no país, sob o ponto de vista da pedagogia educativa e dos valores transmitidos aos jovens. Qualquer família gostaria de colocar seus filhos nas escolas cristãs porque a educação, inspirada no Evangelho, se apresenta como a mais eficaz para a formação de pessoas maduras.

5) Podemos dizer que a Coreia do Sul é um país evoluído e rico (se calcula apenas 20 anos atrás do Japão) onde as antigas religiões não oferecem respostas para os desafios da modernidade. E isso é inevitável porque o mundo moderno nasceu no ocidente com raiz bíblica, a fonte da revelação de Deus em Cristo. O cristianismo, sobretudo o catolicismo, se apresenta como religião mais adequada para o nosso tempo e mais dinâmica na busca de respostas para os desafios da pobreza

O número crescente de conversões confirma quanto o padre Vincent Ri, diretor da faculdade de estudos teológicos do seminário maior de Kwangiu, me dizia quando fiz a última viagem à Coreia: "o coreano gosta de dizer que tem uma religião; também entre os estudantes, os intelectuais e as pessoas mais cultas não existe o espírito anti religioso ou ateu como acontece na Europa. A dimensão religiosa está no centro da vida do nosso povo e esta já faz parte de uma antiga tradição que o dinamismo técnico e econômico não aboliram, pelo contrário, lhe dão mais força".

Durante muitos anos, pelo menos até à visita do papa Wojtyla em 1984, poucos deram atenção ao fenômeno do crescimento da igreja coreana. Em 1986, o então secretário da conferência episcopal, dom Simon E. Chen me dizia: "Na nossa igreja existe um grande número de conversões, mas não foi graças à Europa que se esqueceu de nós durante muito tempo. O papa Pio XI enviou missionários e religiosos para a China. Pio XII enviou muitos missionários para o Japão dizendo: "Se o Japão se converter, toda a Ásia se converterá; e em seguida com a encíclica Fidei donum pediu missionários para a África e para a América Latina. Quando nos anos cinquenta milhares de missionários e de religiosas partiram para o Japão, quase ninguém veio para a Coreia.

"Nossa igreja foi conhecida somente quando o papa João Paulo II nos visitou com grande entusiasmo em maio de 1984. Foi então que o ocidente descobriu que aqui havia muitas vocações. Mas este fenômeno já tinha começado nos anos setenta e com a visita do papa cresceu mais ainda. A visita dele teve mais força do que todas as nossas pregações para anunciar o Cristo aos não cristãos e para fortalecer a fé dos batizados que constituem a igreja".

Fonte: Site Chiesa

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