Boko Haram e a questão do fundamentalismo religioso

Isaack Mdindile *

A racionalidade moderna se caracteriza com razão pós-cartesiana, feita de ideias calculistas, instrumentais e técnico-científicas. As filosofias ou ideologias modernas em um grau maior ou menor são marcadas pelo individualismo, hedonismo e minimalismo. Assim, G. Lipovetski fala da ‘era do vazio', isto é do retorno do narcisismo e da sedução. O tema do vazio e da razão frágil assume contornos ideológicos, em ligação direta com o niilismo de Nietzsche e de Heidegger. A modernidade está marcada pelo distanciamento entre fé e razão, e, o fundamentalismo é a renúncia da racionalidade da fé.

A grosso modo, podemos concluir que, mais do que nunca, o homem moderno vive uma liquidez e esvaziamento enormes, como grita Baumann na sua obra Modernidade Líquida. Falta-lhe referência, porque quer ser senhor de si mesmo. Nesse sentido, a alteridade não tem espaço dentro de sua personalidade, se houver deve ser mais material. Dentro desta desnaturalização, o homem está contra a racionalidade (razão intuitiva) moderna. Não sonha mais com a beleza da universalidade cristã, hegemonia cultural. Por isso, as experiências de solidariedade e fidelidade se tornam sempre mais escassas e superficiais. O que existe é o superman ‘eu' isolado da sociedade.

De fato, a secularização atual marcada pelo medo de silêncio, articula muito bem sobre Deus, mas raramente com Deus. Privilegia o sentimental, a transcendência sem rosto e o esvazia de todo significativo de Deus e de todo atrativo transcendente. A luta atual deve ser em mostrar que Deus é Logokon, isto é, que Deus é racional. Este cenário é visualizado ainda, sem consciência reflexa, na indiferença generalizada, na apatia, no sentimento religioso irracional, na desvinculação entre religião e ética.

O fundamentalismo religioso se caracteriza pelo fechamento de cada religião na própria autossuficiência dogmática, afirmando que vale apenas a sua verdade. Por essa razão, os fundamentalistas se recusam a interagir com as outras religiões, não admitindo a parcela de verdade presente nas outras crenças religiosas. Os fundamentalistas conferem caráter absoluto aos seus pontos de vistas. Por isso não toleram outra verdade. Assim sendo, o destino do fundamentalismo é a intolerância, o acirramento entre grupos religiosos e a geração de ódio e de violência.

Um dos perigos do fundamentalismo religioso é o que estamos assistindo na Nigéria, nesse grupo Boko Haram, que dialetalmente significa, livros proibidos e toda educação ocidental é proibida. Eles querem fazer do Alcorão a única forma de vida, de moral, de política e de organização do Estado entre os islâmicos e em todo o mundo! Todos os que se opõem a essa visão de mundo são obstáculos à instauração "da cidade de Deus"' e consequentemente são infiéis e merecem ser perseguidos e eventualmente eliminados.

A maldade dos membros do Boko Haram é horrível neste tempo da humanidade que luta, construindo um mundo mais humano, feliz e igual. As possibilidades de superar o fundamentalismo são complicadas, sendo que os fanáticos elimina-se, assim, qualquer possibilidade de diálogo com as ciências e com as principais questões do nosso tempo.

O fanatismo que se expressa na intolerância, continua em pleno século XXI a ser uma grande ameaça à paz entre os povos. Por que a humanidade, tão evoluída intelectualmente, no âmbito tecnológico e científico, por exemplo, não consegue virar essa página de fanatismo e de intolerância? E como superar isso? Não há outro caminho senão a educação democrática, o diálogo honesto, conforme a afirmativa de Norberto Bobbio: "a renovação gradual da sociedade através do livre debate das ideias e da mudança das mentalidades e modo de viver". A falta de reconhecimento de uma fraternidade universal está na raiz de todas essas guerras, que configuram verdadeiros fratricídios. E essa carência de humanidade anda de mãos dadas com a impulsividade passional do ser humano. E dessa combinação nascem os juízos de valor, através dos quais uns se afirmam superiores aos outros.

Podemos então afirmar que somos chamados a ser, antes de tudo, hermeneutas; intérpretes da tradição de um texto que vem de muito longe, um texto aberto e polifônico. E interpretar aqui é mais do que simplesmente fazer a exegese do texto, mas interpretar o texto, quanto à vida. E a vida é feita e tecida de muitos outros textos.

* Isaack Mdindile, imc, é estudante de teologia da PUC-SP.

Fonte: Revista Missões

Deixe uma resposta

dezoito − oito =