Juntando cacos

Nei Alberto Pies *

Uma das formas de entender a vida é juntando os pedaços, que podemos chamar de "cacos'. Coisas, lembranças, saudades, pensamentos, ideias, emoções, escritos, incertezas. Tudo é guardado em compartimentos separados e isolados uns dos outros, dando-nos a impressão de que se trata de um amontoado de supérfluos que, não raras vezes, negamos ou temos dificuldade para assimilar. Mas quem disse que cacos não podem estar juntos e misturados...

Carecemos de sentido, de ordem e de valorização dos nossos cacos. Difícil mesmo, é ter certezas. Mais difícil ainda, é acreditar que nossos cacos tenham razão e sentido. Para viver plena e autenticamente, é preciso reconhecer os cacos que nos constituem enquanto seres que somos: finitos de necessidades e incompletos, sempre a buscar o que apenas somos enquanto ideias. Cacos de uns, cacos de outros, formamos a diversidade, a simplicidade e, se quisermos, a complexidade do que vem a ser a vida.

Viver é a arte de juntar cacos. Podem ser coisas variadas, diversas, contraditórias, simples, complexas. Entretanto, sempre ideias, pois são elas que nos fazem mover e nos projetam para ações que impulsionam às novidade que temos necessidade de conhecer. Assim, a profecia, a poesia, a reflexão, a memória são habilidades nobres de preservação e articulação de nossos cacos.

Uma ideia deve sempre ter um fim em si mesma, mas sempre passível de acréscimos, com o cuidado para que a mesma não se transforme em cinza ou mera intencionalidade. A ideia de juntar cacos constitui em uma ação que não deixa mais uma ideia morrer. Muitas ideias nós as matamos em sua fase embrionária. Outras, nós as temos como nossas vergonhas. Por isso, não as assumimos. Outras, ainda, vivem a nos tensionar, querendo a chance de sobreviver. Mas poucas, nós as colocamos em prática.

Cacos são algumas ideias que nos moveram na construção de uma história de criticidade, de dúvidas, de indignação, de romantismo, de abandono à escrita em horas difíceis, de intenso gozo em momentos felizes, de busca de autenticidade, de algumas certezas. Nesta obra, as apresentamos em múltiplas formas (poesia, textos reflexivos, pensamentos).

Se nobre e difícil arte é viver a vida, mais desafiante ainda é adentrar em suas nuances. Se Deus nos deu a vida de presente, porque não presenteá-la, juntando cacos?

* Nei Alberto Pies é professor e ativista de direitos humanos.

Fonte: Nei Alberto Pies / Revista Missões

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