Francisco e a Igreja

Alfredo J. Gonçalves *

Francisco representa a Igreja dos pobres. Igreja que à riqueza e ao luxo, aos títulos e à pompa, dá preferência a uma sincera simplicidade. Que se comunica com o povo e com o mundo não numa linguagem acadêmica, sofisticada e desconhecida, mas com gestos e palavras populares e acessíveis ao mais simples dos mortais. E que, por isso, confere um novo sabor à Palavra de Deus e à Boa Nova de Jesus Cristo, onde o Verbo se faz carne, presença viva e ativa, olhar que penetra e ama, consola e reaviva.

Assim fez o pobre de Assis. Sua pobreza e sua nudez, como a de Jesus de Nazaré, interpela as vestimentas bordadas a ouro e prata de tantos sacerdotes, templos e religiões. Sua acolhida aos leprosos e abandonados, como a do profeta itinerante do Evangelho, questiona a insistência na construção de fortalezas e palácios inacessíveis. Sua mensagem lúcida e límpida, viva e alegre, como as parábolas do Reino, se revestem de beleza e poesia sem par. Água cristalina diante da sede crescente de encontro com o outro e com o totalmente Outro.

No momento em que boa parte da Igreja insistia em aliar-se ao poder temporal, Francisco surge como um pobre servidor, lembrando o gesto do lavapés na última ceia, seguido da oração sacerdotal. Quando trono e altar pareciam dar-se as mãos, através da espada e da cruz, Francisco canta e louva o Criador na singeleza dos pássaros e das flores, dos astros e das águas, das árvores e dos frutos, a exemplo do homem de Nazaré.

Contemporâneo de uma Igreja que combate furiosamente os infiéis e os hereges, Francisco chama a todos e a tudo de irmão e irmã, seguindo o Mestre que prega o amor aos inimigos. Enquanto os tribunais eclesiásticos acedem fogueiras para queimar os pecadores, em boa parte mulheres, o pobre de Assis lhes vai ao encontro, consciente de que Jesus oferece o perdão todas as Marias e Madalenas Josés e Antonios arrenpendidos. Numa época onde predominava o obscurantismo, o medo e o pecado, Francisco renova sobre a sociedade medieval o olhar terno, puro e doce do Filho de Deus.

Tempos difíceis, em que a própria Igreja se envolve em conflitos e guerras, Francisco se faz instrumento da paz, com os olhos fixos na palavras da Sagrada Escritura. Quando as trevas do ódio parecem tomar conta dos corações e das almas, o pobre de Assis se faz poeta e mensageiro da luz do amor. E se o desespero cobria o céu como nuvem ameaçadora, Francisco era o portavoz de uma nova esperança. Andarilho da palavra e do gesto que nutre os corpos encurvados, os espíritos abatidos e os corações desesperançados.

Um filho da burguesia nascente que, com ousadia, coragem e profetismo, deixa a própria casa e os familiares para lançar-se nas pegadas de Jesus e dos pobres. Ousadia que levanta sérias interrogações a quem, nos dias de hoje e mesmo dentro da Igreja e dos Institutos ou Movimentos Religiosos, segue exataemnte o caminho inverso. Coragem que desafia um retorno às fontes genuinamente evangélicas, numa verdadeira "fidelidae criativa". Profetismo para reavivar a "opção preferencial e evangélica pelos pobres" numa enocomia globalizada que, ao mesmo tempo, concentra e exclui, produz simultaneamente riqueza e miséria, ostentação e fome, mansões e casebres.

* Alfredo Gonçalves, CS, é Conselheiro e Vigário Geral dos Missionários de São Carlos em Roma.

Fonte: Alfredo J. Gonçalves / Revista Missões

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