Ronaldo Lobo *
O cântico do padre Zezinho: "Mãe do Céu Morena, Senhora da América Latina, de olhar e caridade tão divina, de cor igual à cor de tantas raças", define a grandeza da devoção mariana neste mês dedicado a Nossa Senhora. Entre tantas festas marianas, a de Nossa Senhora da Conceição Aparecida toma conta do país. Aparecida torna-se símbolo do Brasil católico, e os devotos coroam Maria como sua Rainha. São seus frutos, as novenas, romarias, visitas às grutas, às capelinhas e festas variadas desta espiritualidade popular. Uma herança luso-brasileira, em síntese, misturando tantas culturas à religiosidade popular. Uma grande massa de povo católico, pobre e sofrido, sem cor e sem raça apela pelo socorro da Virgem Maria. Toda solenidade seja ela religiosa, social ou popular deve merecer a nossa atenção. Bem disse o papa João Paulo II que "neste lugar a Virgem há mais de dois séculos marcou um encontro singular com a gente brasileira. Com razão, para aqui se voltam os anseios desta gente, aqui pulsa o coração católico do Brasil. Meta de incessantes peregrinações vindas de todo o país, esta é a sua capital espiritual".
Primeiro sinal
Gostaria de aproveitar o espaço da espiritualidade para refletir sobre a pessoa e a mensagem de Maria. O texto bíblico que a liturgia da festa usa é o casamento em Caná da Galileia (Jo 2, 1-11). O evangelista João apresenta-nos este belo relato que, embora simbólico, é o primeiro dos sete sinais. Encontramos Maria preo-cupada com a família, (que está na festa do casamento), porque a falta do vinho pode significar uma vergonha desmedida diante da comunidade.
Segundo o relato, Maria parece estar num lugar importante na festa de casamento. Ela faz parte do comitê organizador que cuida da acolhida dos convivas, e ao mesmo tempo dá uma olhada na despensa. Encontra-se entre os que querem que tudo dê certo, uma festa sem nenhum defeito. Justamente o vinho, que é o ingrediente mais importante da festa, vem a faltar. O evangelista tem outros interesses, ou seja, a falência da antiga lei (seis talhas de água) e o início da nova (o milagre da água em vinho).
A videira e os seus derivados têm uma simbologia importante na Sagrada Escritura: a uva, a vinha e o vinho. Ela simboliza a vida, a festa, o bem-estar e a riqueza. A videira era identificada como erva da vida. O vinho, usado nas festas, era a imagem da alegria de viver (Sl 104, 15). O Senhor que cuida do seu povo, oferece aos sedentos não somente a água, mas também o vinho (Is 55, 1). O vinho junto com o azeite era usado na cura das feridas (Lc 10, 34) e o cavaleiro apocalíptico do cavalo preto fora aconselhado claramente: quanto ao óleo e ao vinho, não causes prejuízo (Ap 6, 6).
No relato das bodas de Caná, Maria aparece e desaparece instantaneamente. Sabe muito bem o que deve fazer, e como deve resolver as coisas. Ela, que disse o seu sim em nome da humanidade, sabe muito bem como deixar as coisas nas mãos do Divino, e se precisar, deixá-Lo em apuros. E isso funciona, apesar da resistência de Jesus, que está à espera da sua hora. A mãe de Jesus segue mais adiante, fala aos servos uma frase que ficará marcada para sempre na história da salvação: "façam o que Ele mandar". Tal pedido, que representa melhor a mãe de Jesus, continua sendo um pedido permanente para toda a humanidade. Quando alguém se lembra dela, é automaticamente impulsionado a lembrar seu Filho e suas palavras.
Com certeza, a festa de Aparecida no dia 12 de outubro, ajuda-nos a pensar no Evangelho das bodas de Caná, e mais ainda, em Maria que se preocupa com os outros. Ela se preocupou com toda a humanidade, e disse o seu sim para salvá-la por meio do seu Filho (Lc 1, 38). Preocupou-se com Isabel, sua prima, que visitou (Lc 1, 39). Preocupou-se com Jesus quando ele se perdeu no templo (Lc 2, 14), e cuidou dele em Nazaré. Maria, que se preocupou com a família de Caná, com certeza, está preocupada também com o povo e a nação brasileira. A tristeza dela seria nosso desinteresse em seguir o seu Filho.
Novo milagre
Aparecida oferece um retrato da Igreja Católica e de seu povo fervoroso, cheio de fé e esperança, mas muitas vezes injustiçado pelos seus "pastores". O olhar compadecido de Maria sintetiza os muitos pedidos do povo que ela encaminha ao Senhor: não têm mais comida, mais saúde, mais líderes, mais educação, mais moradia, mais terra pra plantar, mais transporte, mais proteção; eles não têm mais políticos sérios e não têm mais esperança. Ou seja, não têm mais vinho!
Ela, que apareceu nas águas do rio, com certeza, aponta para mais um aspecto das nossas águas! Embora nós tenhamos a maior reserva de água doce, nossos rios estão poluídos, e muita gente não tem água potável. A questão ambiental torna-se questão dos admiradores da Aparecidinha. Ela, que apareceu com a cor negra, mais uma vez nos aponta para um povo sofrido, dilacerado, enganado, que sofre ainda os efeitos da escravidão. O povo continua sem seus direitos respeitados, discriminado como sempre e excluído das grandes decisões.
A imagem da Virgem que veneramos, apareceu numa ocasião da pesca para a acolhida solene do Conde que passaria pela cidade. O peixe desapareceu dos nossos rios pelo uso excessivo dos agrotóxicos. Junto com o agronegócio que domina em todos os lados, cresce também o uso dos pesticidas. Isso tem prejudicado as nascentes e causado a diminuição dos peixes em nossos rios. Com certeza, Maria Aparecida vê este triste cenário no seu querido Brasil.
No começo, sua devoção começa numa casa, num culto familiar, algo que vale a pena ser lembrado. Nessa casa é reservado um espaço onde sua veneração começa a crescer. Mais tarde brota um pequeno oratório, onde as pessoas podem rezar o terço e praticar a devoção. E em seguida, a capela que se torna santuário. E assim multiplicam-se as casas, as famílias, os lares com a vontade de passar adiante a espiritualidade cristã e a devoção mariana. Agora, como a oração vai sendo escassa, em nossas casas modernas não se respira espiritualidade, e a festa da Aparecida espera por um novo milagre.
* Ronaldo Lobo, svd, é mestre em Bíblia. Atualmente, formador no Seminário Verbo Divino em Toledo, PR.
Publicado na edição Nº08 - Outubro 2012 - Revista Missões.
Fonte: Revista Missões