Igrejas: versão religiosa do Big Brother?

José Lisboa Moreira de Oliveira *

Bauman no seu livro A ética é possível num mundo de consumidores? (Zahar, 2011) compara os atuais grupos humanos a verdadeiros ninhos de vespas. Segundo o autor, há uma notória ausência de centros dotados de autoridade, onde se possam construir regras para alianças e respostas para os desafios. As pessoas vivem sem referenciais, buscando elas próprias preencher o vazio gerado por tal ausência. Assim sendo, os seres humanos mantêm-se num estado de fluxo permanente, sempre "se tornando" e nunca "sendo". As identidades, se é que podemos usar este substantivo, são o resultado de um processo contínuo de negociações e de renegociações. A liberdade tão sonhada e tão cobrada atualmente vem acompanhada de insegurança e de constrangimentos. O medo de não ser livre termina sufocado pelo medo das ameaças dos outros e os homens e as mulheres aceitam perder um pouco da liberdade para terem mais segurança.

Em todo esse processo o self ocupa o lugar central e coloca o restante do mundo na periferia. As pessoas participam de grupos que se parecem com enxames de vespas porque perdem a dimensão comunitária e passam a ser manipulados por lideranças que dão as ordens. Os seres humanos estão juntos fisicamente, mas o que prevalece é o individualismo. Não há solidariedade, complementaridade, intercâmbio e fraternidade. Cada um, mesmo seguindo seu líder, termina pensando só em si, na sua segurança e na sua satisfação imediata. Por isso, diz Bauman, os laços humanos são fraquíssimos e se quebram com muita frequência e facilidade.

Como a incerteza é o "habitat natural" do sujeito consumidor, ela provoca o "desencaixe", ou seja, a pessoa não se fixa em nada e em lugar nenhum. Vive sempre abandonando e substituindo. O pertencimento está necessariamente condicionado pelas exigências do ego. O indivíduo chega a participar de instituições, mas as vê e as tem apenas como lugares de descanso, de pouso, até que não deva prosseguir com sua permanente peregrinação. Para o sujeito consumidor, afirma Bauman, as instituições são "hotéis de beira de estrada" que servem apenas para um breve descanso da viagem.

Desta forma, diz nosso autor, as instituições terminam cedendo à pressão dos consumidores frenéticos e se tornando uma espécie de Big Brother. Elas são hoje apenas um espaço onde se pode dar uma "espiadinha" na vida dos que nela estão "confinados" para depois continuar vivendo como se aquele confinamento não existisse. Os que estão dentro da "casa" não cultivam a integração e a solidariedade, mas são estimulados, por quem comanda o espetáculo, a brigarem entre si para ver quem vai ser o líder. Desta forma, cada um considera os demais como inoportunos que devem ser expulsos do ambiente e enxotados para fora do páreo.

Na casa do Big Brother não há lugar para o outro e nem para quem pensa nos outros. Isso porque as pessoas que lá chegaram não chegaram por pertencimento, através de um rito solene de iniciação, mas através da promessa de prêmio para aquele que terminar sendo o "melhor". Quem está na casa do Big Brother tem a sensação constante de estar num território estranho e potencialmente hostil. Aqui não há laços e não há lealdade. As pessoas são abandonadas a si mesmas e terminam confusas, sem saber como caminhar ou navegar no meio de tantas propostas, as quais, no final do itinerário, podem se revelar traiçoeiras e falsas.

Ora, essas considerações de Bauman me levam de imediato até as Igrejas. Não há como não vê-las como uma versão religiosa do Big Brother. O que são elas atualmente, salvo algumas exceções? Um enxame de pessoas que vagam sem rumo e sem direção, monitoradas e manipuladas por líderes carreiristas e exibicionistas. Nelas, inclusive na Católica, não há mais a consciência e o clima de assembleia convocada pela Trindade; não há a experiência de Povo de Deus. As pessoas são reunidas em verdadeiros confinamentos controlados por lideranças carreiristas que sonham chegar ao topo da hierarquia. Vestidos impecavelmente, com suas batinas, seus paramentos brilhosos ou ternos finíssimos, tais líderes controlam as subjetividades, mesmo que, na prática, se mantenham completamente afastados da vida real do povo, o qual é sempre deixado para trás em suas angústias e expectativas.

Por sua vez os fiéis transeuntes não se encontram por vocação, por convocação e pelo senso de pertença. Buscam vorazmente kits de salvação, vendidos e abençoados por bispos, padres e pastores, mesmo quando estes kits se reduzem a uma baforada no corpo, proveniente de um balde de "água santa" jogado sobre a multidão delirante. E para atender à sede de consumo religioso as Igrejas se transformaram em supermercados da fé, voltadas inteiramente para a satisfação imediata da busca de felicidade dos consumidores religiosos. Estes não se encontram unidos pela mesma fé, no conhecimento do Filho de Deus e para crescerem no seguimento (Ef 4,13). Encontram-se, por acaso, ao redor de um "curandeiro", à cata de milagres que satisfaçam de imediato suas necessidades.

Desta forma fica configurado o Big Brother religioso. As Igrejas, administradas, policiadas e supervisionadas, com firmeza, por líderes carreiristas e esteticamente perfeitos, mobilizam multidões, especialmente entre os que ainda formam a periferia social, para confiná-las num refúgio milagreiro, marcado por ansiedades, exclusões e decepções. Nesses confinamentos religiosos a ilusão é visível. Os "milagres" são raros e somente alguns são "agraciados" com "curas e libertação". O restante da multidão deve se conformar em voltar para casa e enfrentar a vida dura, onde só há um milagre: ir à luta para conseguir sobreviver. Deve se conformar e aceitar o "paredão" da exclusão social, da falta de oportunidades, do indeterminado, do imprevisível, percebendo-se, como diz Bauman "fora do lugar em todo lugar".

O povo que fica na fila, a espera de "milagres", é sempre ludibriado e manipulado por espertos que costumam passar a perna nos simples e pobres (Jo 5,7). Esses espertos são os próprios milagreiros e curandeiros. Eles são especialistas em extorquir os pobres; encher seus bolsos de dinheiro; construir templos para alimentar vaidades -mas, que, em breve, serão frequentados apenas por morcegos-; comprar jatinhos para suas viagens e, sobretudo, tirar as suas famílias da miséria. Sem dúvida alguma, para solucionar os problemas dos sofredores bastaria que alguém, como Jesus, dissesse: "Levante-se e ande" (Jo 5,8). Mas, na verdade eles não querem que as pessoas se levantem e caminhem com as próprias pernas. Preferem manter a "indústria dos milagres" que traz polpudas somas para seus bolsos e suas famílias.

* Filósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor do Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past. Vocacional. É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília.

Fonte: www.adital.com.br

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