Curto-circuito e congelamento na Vida Religiosa

Alfredo J. Gonçalves *

O sentido figurado do curto-circuito vem do campo da eletricidade. Segundo o site do Google, por exemplo, o fenômeno "ocorre porque a corrente elétrica que sai do gerador percorre todo o circuito e volta com a intensidade muito elevada. Ele pode causar vários danos nos circuitos elétricos, pois provoca reações muito violentas em virtude da dissipação instantânea de energia. Nessas reações ocorrem explosões, dissipação de calor, produção de faíscas....". Como bem sabemos, a causa imediata de não poucos incêndios reside em tais distúrbios no circuito da rede elétrica.

Os curtos-circuitos na Vida Religiosa
Transportando essa imagem para as relações no interior da Vida Religiosa, não é difícil identificar os curtos-circuitos que esta pode sofrer. São entraves e impasses que impedem um convívio sadio e saudável. O mesmo poder-se-ia dizer das relações humanas em geral, mas ficaremos no campo da vida religiosa. Neste caso específico, a interpretação pode ampliar o significado da metáfora. Ou seja, podemos falar de curto-circuito em duas situações extremadas: de um lado, quando as energias voltadas para a conquista do "meu" se sobrepõem ao empenho com a busca e preservação do "nosso". O choque entre os interesses pessoais e coletivos será inevitável. O resultado previsível se manifestará numa descarga de agressão, explosão e incêndio.

Quanto o "eu" prevalece sobre o "nós", são comuns atitudes de isolamento e falta de comunicação. O meu projeto pessoal torna-se mais importante que o projeto comunitário. O mutismo, que é a recusa da partilha e do diálogo, me poupa de submeter o projeto ao grupo. Não preciso me expor à opinião dos outros. O personalismo, o centralismo e o individualismo (para não falar de outros "ismos") têm a primazia sobre o "trabalho orgânico e de conjunto". Instala-se assim uma espécie de paz armada, onde cada um, sempre na defensiva, afia suas armas para defender as ideias e iniciativas pessoais. Usando outra metáfora, poderia dizer-se que se trata de uma guerra-fria no interior da vida religiosa. A paz é fruto do medo do confronto e do enfrentamento de argumentos. Teme-se o poder bélico do outro: é a paz do cemitério, não de um convívio fraterno e alegre. Quando o choque se torna inevitável, resulta normalmente em curto-circuito e explosão.

De outro lado, o curto-circuito pode originar-se numa ansiedade exacerbada por resultados imediatos. A comunidade se torna refém do critério capitalista da eficácia. É preciso fazer, produzir, multiplicar tarefas. Estamos no caminho mais seguro para o ativismo e a dispersão. Em meio aos apelos e exigências do cotidiano, facilmente se perde o foco do carisma. As energias se chocam e tomam direções desconexas, como os raios de uma roda que não dispõe de eixo centralizador. O pressuposto básico de semelhante ativismo passa pela ideia equivocada de que o religioso/a é o protagonista da mudança sociopolítica. Daí o imperativo da ação. Pior ainda quando tal equívoco vem acompanhado de falta de fé e da alta de paciência histórica, que, no fundo, são duas irmãs siamesas. Neste caso, achamos que podemos concentrar sobre nós a função de instrumento nas mãos de Deus e, ao mesmo tempo, a função do Espírito Santo. Diante dessa sobrecarga, não é difícil prever o fim da linha desse acúmulo de atividades: esgotamento, estresse, desencanto, fragmentação e descentramento. A auto-suficiência não permite que o Espírito faça a sua parte.

Na mesma perspectiva está a ideia, igualmente equivocada, de que o carisma nos confere o monopólio de determinadas situações históricas e nos obriga a encontrar soluções para a precariedade das mesmas. O problema da pobreza e dos pobres, em suas mais diversas manifestações, é um problema econômico, político, social e cultural - portanto da sociedade como um todo. Da mesma forma que a globalização, trata-se de m problema local, nacional e mundial. Responsáveis por ele são governos, instituições, política internacional, autoridades, Igreja, pessoas, etc. As congregações religiosas têm aí um papel fundamental, é claro, mas não necessariamente determinante. A sua contribuição relaciona-se antes de tudo à ação gratuita do Evangelho e não tanto à obtenção eficiente de resultados. Religiosos e religiosas são chamados/as a ser um testemunho vivo nessas situações ou realidades que contrastam com o Projeto de Deus, de acordo com seu carisma específico.

O clamor dos pobres nos diz respeito, evidentemente, mas ultrapassa nossas forças e nossa capacidade de resolução. Essa humildade diante dos milhões de crucificados da história abre espaço para outros tipos de ações solidárias que podem vir de movimentos sociais, entidades, organizações não governamentais, políticas públicas do Estado, e assim por diante. Os distintos carismas não nos obrigam a colocar sobre os ombros os dramas e o peso de grupos marginalizados cujas necessidades estão muito acima de nossas capacidades. Com nossa fragilidade e limitações, somos chamados a ser uma pequena luz, uma gota d'água, um exemplo vivo de como tais situações podem ser humanamente tratadas. Não a carregá-las sobre os ombros, como se fossem uma espécie de "propriedade privada" derivada do carisma específico. Essa pretensão, não raro, é fonte de muita ansiedade, acompanhada de desilusões e desistências. O fracasso, nestes casos, costuma ser proporcional às expectativas que tendemos a alimentar como "salvadores da pátria".

Frio e descongelamento na Vida Religiosa
Na contramão do curto-circuito explosivo e causador de incêndios, a vida religiosa também poder acumular pequenas pedras de gelo. Pedras que, se não descongeladas a tempo, podem desencadear uma avalanche crescente. Embora em lados opostos de frio e calor, tanto a avalanche de neve quanto a explosão derivada do curto-circuito devastam tudo que encontram pela frente. Na Vida Religiosa, isso representa uma dupla preocupação: conter as energias descontroladas e dispersivas (o fogo que tudo consome), por uma parte, e tratar de desfazer o gelo do mutismo e dos momentos constrangedores (o frio que mata), por outra. Em ambos os casos, só existe um método eficaz: o diálogo maduro, respeitoso e evangélico. O que costumamos chamar de correção fraterna. Aqui a sabedoria está no meio termo: serenidade diante do calor excessivo e abrasador, e ambiente caloroso e humano diante do congelamento impenetrável das relações.

Semelhante tarefa de descongelar ou de apaziguar se dá em todos os tipos de relação: consigo mesmo, com o coirmão, com o pobre, com a natureza e com Deus. De imediato, convém lembrar que essas distintas dimensões relacionais não constituem gavetas fechadas, e sim espaços comunicantes entre si. Exemplificando, resolver os curtos-circuitos ou descongelar as pedras de gelo no âmbito da vida pessoal, é simultaneamente abrir-se a uma nova relação nos demais âmbitos. E inversamente, cultivar a intimidade com Deus e uma convivência fraterna na comunidade enriquece e aprofunda o próprio crescimento individual. Vale o mesmo quanto à relação com as obras da natureza e com o compromisso no meio dos pobres. Uma relação sadia em qualquer uma dessas dimensões comunica-se imediatamente às demais, gerando uma dinâmica dialética em espiral crescente. Dinâmica que rompe com o círculo vicioso do gelo ou do curto-circuito que tende à paralisia e ao comodismo.

O contágio é ao mesmo tempo positivo e negativo. Um relacionamento frio, isolado ou em curtos-circuitos explosivos contagia todas as dimensões relacionais da vida sobre a face da terra, e com maior razão as relações dentro da comunidade religiosa ou até mesmo da família. E ao contrário, um relacionamento aberto, caloroso e solidário, capaz de administrar serenamente as descargas elétricas de cada um e dissolver as pedras de gelo, também contagiará as relações com Deus, com a natureza e com as situações desafiadoras do contexto histórico. Sem esquecer a paz e a alegria interna que isso traz a cada membro do grupo religioso. Não a paz armada, como vimos acima, mas a paz que brota do diálogo franco e mutuamente enriquecedor. Converter-se a uma relação sadia em qualquer uma dessas áreas é converter-se a uma vida saudável e fraterna em todas elas. Quebrar o gelo constrangedor ou apagar o fogo de um entusiasmo ilusório tem um efeito cascata sobre todas as dimensões da Vida Religiosa. Desencadeado o processo, tudo se ilumina, abrindo horizontes novos à vocação e à missão.

Numerosas personagens bíblicas poderiam ser chamadas a testemunhar isso. Tomemos alguns casos: Moisés, Elias, Jonas, Rute, entre tantas outras. Em todas elas o medo, o cansaço, o descrédito, ou o exílio tendem a paralisar ou a congelar o entusiasmo com o Projeto de Deus. Em algumas delas, igualmente, as expectativas falsas podem desejar destruição e morte, num curto-circuito explosivo. Daí a necessidade do encontro com Deus que traz serenidade diante do fogo e novo ardor diante do gelo. Moisés, no calor de uma santa ira, é contido no seu ímpeto de tudo resolver por sua própria força física. Elias é despertado de seu sonambulismo doentio para pôr-se novamente em marcha. A trajetória de Rute e Jonas ajuda a quebrar o gelo de um fechamento estreito e excludente, próprio no nacionalismo israelita.

Em Jesus, tudo fica ainda mais claro ainda. O Messias vem para descongelar situações em que as pessoas haviam se tornado escravas do próprio cumprimento estrito da Lei. O profeta itinerante liberta-as para uma nova vida no espírito. O Espírito Santo, por sua vez, desce como fogo, barulho e vento forte para renovar o ardor missionário do grupo mutilado pela tragédia da cruz. Por outro lado, apesar de trazer fogo à terra, Jesus contém o entusiasmo fácil daqueles que sonham com a violência para implantar o Reino de Deus.

* Padre Alfredo J. Gonçalves, CS, é assessor das Pastorais Sociais e superior Provincial dos missionários Carlistas.

Fonte: www.provinciasaopaulo.com

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