Sambódromo sem samba

Egon Dionisio Heck *

Os povos indígenas do Brasil e do continente levarão na bagagem da volta uma lembrança um tanto amarga, longe das imagens luxuosas do desfile das escolas de samba, no início do ano.O duro cimento sob o qual se estiraram os cansados corpos que mais de mil e quinhentos guerreiros originários de Abya Yala (Américas), mais do que de samba vão lembrar de uma dura batalha, para fazer avançar seus direitos, contra a ferocidade genocida do capital multinacional e suas grandes obras mortíferas. O sambódromo ficará no seu imaginário não como espaço de samba e alegria, mas de abrigo precário, na dura luta pelos seus direitos.

Um mar sem banho. Apesar de estarem sendo acompanhados pelo olhar atento do mar, e as belas praias do Rio, do vigilante pão de açúcar, nada disso vieram desfrutar. Apenas registros da beleza em meio à dureza das denúncias de violação de seus direitos e a construção da união necessária para o enfrentamento dos interesses contrários à sua sobrevivência. Foram à praia diversas vezes, mas para atividades como a da bonita paisagem humana construída ontem à tarde com a participação da maioria dos indígenas e outros participantes da Cúpula dos Povos

Um Flamengo sem jogo. Permaneceram e perambularam durante vários dias no aterro do Flamengo, sede da Cúpula dos Povos. Em meio à multidão chamaram muita atenção. Seus vistosos cocares, colares e a leveza dos corpos pintados, foi por muitos levados como lembrança, não do exótico, mas dos povos indígenas que não apenas estão vivos e entre nós, mas que tem certamente mais futuro do que o sistema capitalista, como esteio da civilização ocidental. Participaram em dezenas de atividades autogestionadas,expressaram sua indignação diante da violência e o desrespeito aos seus direitos mais fundamentais como à terra, autonomia e paz.

Queremos levar nosso documento aos chefes
Os povos indígenas vão levar uma profunda decepção por não terem conseguido levar sua realidade e propostas para os chefes e representantes de mais de uma centena de países enclausurados no Riocentro. Através de uma marcha, com os movimentos sociais e da comunidade Vila Autódromo, chegaram até as redondezas do local. Mas foram barrados por uma tropa de choque e tiveram que retroceder. Tiveram a promessa de que amanhã Gilberto Carvalho receberá uma comissão. Porém o grupo quer ter um encontro com a presidente Dilma. A Vila autódromo é revelador das políticas elitista que estão sendo colocadas em prática nas grandes cidades que irão sediar jogos da Copa do Mundo e outros grandes eventos como as Olimpíadas. A ‘limpeza' das cidades significa jogar para debaixo do tapete toda a miséria a que milhões de famílias estão relegadas nas favelas e periferias das cidades. "no Rio "mais de 150 mil pessoas estão ameaçadas de remoção forçada nos próximos 4 anos, somente por conta dos projetos relacionados a esses eventos internacionais".

Quando amanhece o dia 21, milhares de comunidades andinas vão receber os primeiros raios do sol celebrando o início do ano novo indígena. Os povos originários do mundo presentes na Cúpula dos Povos também irão dedicar mais um dia de luta pelos seus direitos, em homenagem aos milhões que tombaram para que a Mãe Terra com todas as suas formas de vida e seus povos não fossem destruídos.

Numa das importantes declarações os Povos Indígenas do mundo conclamam "Os povos indígenas chamamos o mundo a voltar ao diálogo e harmonia com a Mãe Terra, e adotar um novo paradigma de civilização baseado no Bem Viver-Viver Bem."

* Egon Heck é assessor do Conselho Indigenista Missionário - CIMI,  na Cúpula dos Povos, Rio de Janeiro, 20 de junho de 2012

Fonte: CIMI

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