A crise global e as religiões

Egon Dionisio Heck *

Brasília, patrimônio cultural da humanidade, não pode ficar refém de Cachoeiras de corrupção. Tem que ser também palco do pensamento e de intelectuais do mundo todo. Alçar voos e sobrevoos na atual crise global por que passa a humanidade é preciso. Quiçá se consiga vislumbrar sôfregas luzes entre a nevoa da crise e desesperança.

Abril fez da capital brasileira, ao completar 52 anos, um espaço de grandes debates, com especialistas renomados do mundo. No palco os grandes temas que desafiam a humanidade hoje. "Krisis",foi o guarda chuva. As palestras e debates começaram com o tema "Religião-Fé, fanatismo e conflitos políticos no mundo atual". Tariq Ali, intelectual e escritor paquistanês, iniciou as exposições. Leonardo Boff, teólogo, escritor e militante da vida do planeta terra, trouxe um enfoque mais latino americano, da teologia da libertação. Pedro Terra (Hamilton Pereira) secretário de Cultura do Distrito Federal, fez a mediação do debate.

Tariq fez uma breve explanação das religiões nas revoluções industriais, fazendo uma análise crítica da inserção e instrumentalização das mesmas por esses processos econômicos, para chegar às crises e assensos das religiões nos dias atuais. Fez referência às críticas de Marx às religiões, classificando-as como "ópio do povo". Expressão do pensamento da revolução racionalista. Fez menção à profunda crise atual em que o "mundo está comandado por gente cujo único Deus é o dinheiro". No turbulento mundo do capitalismo vemos o constante surgimento de novas religiões, como "fast food". Afirmou que nos Estados Unidos tem três grandes religiões: o dinheiro, as igrejas da competição, e a religião promotora da guerra de civilizações. Isso gera um retrocesso hoje, pois estimula uma cruzada contra o outro.

Crise de sistema político e religiões
Não existe uma religião monolítica. Quando as religiões conversar, dialogam, aprendem umas com as outras. Diante da constatação do assenso das religiões, chamou atenção para o fanatismo que se expande, demonstrando que na verdade o que se aprofunda é a crise do capitalismo. Fez referência ao fenômeno do surgimento de partidos políticos religiosos tomando o poder no mundo árabe, ao vazio e falta de sentido da maioria das democracias atuais. Apesar disso muitos processos importantes acontecem na América do Sul, como o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, e os diversos movimentos ante imperialismo que chegaram ao poder na Venezuela, Equador, Bolívia...

Apesar de suas ásperas críticas às religiões e suas consequências nos processos civilizatórios e revoluções, afirmou que na verdade trata-se de uma profunda crise do capitalismo global e a construção de um novo sistema, em que os atuais dos males no mundo não ficarão impunes.
Olhando para seu companheiro que neste instante estava à sua direita na mesa, Leonardo Boff, lamentou que a Teologia da Libertação tenha chegado bastante tarde, porém manifestou sua convicção de que ela poderá contribuir muito com os processos de transformação social e a superação da crise sistêmica atual.

Religião - espaço gerador de esperança
Ao iniciar sua fala, Leonardo Boff, disse "a religião está realmente em ascensão. Prova disso era o auditório apinhado de gente, até no palco atrás dos expositores. Boff em sua fala, disse que a crise da religião nos remete a uma crise mais profunda, de civilização. Fez referência às situações de violência geradas pelo fanatismo religioso, intolerância, proselitismo, fundamentalismo, problemas religiosos não resolvidos. Insistiu que a religião é espaço gerador de esperança, de elaboração de novos sonhos e utopias.

Fez menção do cansaço do consumo que está gerando um vazio que propicia o surgimento de religiões, muitas vezes de forma patológica, fundamentalista. Ao mesmo tempo as religiões ganham uma forma política, profética, de resistência. São as religiões de libertação. Temos uma herança libertária, de resistência, de consciência crítica, ao lado dos oprimidos. As religiões mobilizam as populações.

Quanto à crise mundial, alertou sobre a grave ameaça por que passa Gaia, o planeta terra, nossa casa comum, pelo feroz sistema de destruição em marcha. Diante dessa realidade dramática somos convocados em regime de urgência a construir um novo modelo de sociedade, que não tenha apenas uma relação utilitarista com a natureza, mas que junte as sabedorias de todos os povos, nativos, africanos, que tem uma dimensão mística de suas espiritualidades e religiões. Será necessário muito diálogo, busca conjunta da verdade, da construção de um novo modelo civilizatório, baseado na radicalidade da vida, superando as religiões de mercado.

* Egon Heck, Povo Guarani Grande Povo.Cimi 40 anos.

 

Fonte: CIMI

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