Carlos Roberto Marques *
Parece que nem estamos prevenindo, nem remediando.
O aumento do número de acidentes envolvendo veículos terrestres, causando mortes ou graves sequelas, está merecendo, com urgência, um fórum nacional que discuta causas, consequências e, de modo especial, prevenção. Não é mais possível conviver com essa realidade, de braços cruzados, como se tudo não passasse de uma rotina. Já não nos impressionamos com as imagens, tampouco com as estatísticas. Só nos daremos conta do risco quando sentirmos na carne, sendo nós mesmos as vítimas, ou na alma, se a vítima for um familiar ou um amigo.
"É preferível prevenir os delitos do que precisar puni-los; e todo legislador sábio deve, antes de mais nada, procurar impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é mais do que a arte de propiciar aos homens a maior soma de bem-estar possível e livrá-los de todos os pesares que se lhes possam causar, conforme o cálculo dos bens e dos males desta existência". São palavras do jurista italiano Cesare Beccaria (1738-1794), em seu livro Dos delitos e das penas (tradução Ed. Hemus, 1974), leitura obrigatória de todo estudante de Direito, e deveria sê-lo também de todo legislador.
Legislação fraca
Melhor prevenir do que remediar é, como se vê, sabedoria que vem de séculos de experiências e reflexões. Em relação aos acidentes automobilísticos, parece que nem estamos prevenindo, nem remediando. As multas e os pontos na carteira têm força coercitiva? Ameaça de prisão surte efeito? A "lei seca" está dando resultado? Estes remédios, na verdade, aumentam a vigilância dos que, por princípio, já são vigilantes; mas temos assistido a ações de total indiferença, especialmente dos que podem pagar altas fianças e contratar bons advogados. Para estes, parece que o custo das multas não pesa no orçamento e os pontos são facilmente transferidos. A perspectiva da impunidade estimula ainda mais sua irresponsabilidade.
Algumas questões são bastante intrigantes. Por que se fabricam e importam veículos que ultrapassam 200 quilômetros por hora se em nenhuma de nossas estradas é permitida velocidade superior a 120? Quem possui esses carros está preocupado com isso? Por que beneficiar o autor do acidente, isentando-o de prova de consumo de álcool ou droga, em prejuízo da vítima, da família e da sociedade? Por que fazer publicidade de carros apresentando como uma das vantagens o quesito velocidade?
O maior marketing institucional do seguro está na mídia que divulga os altos índices de acidentes e de roubo de veículos. Para a indústria automobilística e a rede de revendedores, a cada veículo roubado ou perdido em colisão, será mais um veículo vendido. As indústrias e lojas de autopeças não têm do que se queixar. E aí, pesarosamente, teríamos que incluir nessa rede de interesses também os hospitais, planos de saúde e a indústria farmacêutica. Será que essa cadeia produtiva precisa mesmo ser tocada à custa de delitos e de vidas humanas?
É também de Beccaria a observação que pode explicar a inércia de nossos representantes na busca de soluções : "...numa reunião de homens, percebe-se a tendência para concentrar no menor número os privilégios, o poder e a ventura, e restando à maioria miséria e debilidade". Pelo jeito, nossa evolução foi apenas tecnológica. E "pra não dizer que não falei das flores": que o Espírito Santo ilumine nossos legisladores e governantes e, principalmente, os que neles votam.
* Carlos Roberto Marques é Leigo Missionário da Consolata - LMC, e membro da equipe de redação. Publicado na revista Missões, N. 10 - Dezembro 2011.
Fonte: Revista Missões