Michael Mutinda *
Desde quinta-feira, 16 de fevereiro, em Salvador, Bahia, os soteropolitanos e turistas comemoravam o Carnaval. Foram sete dias de festa, que só acabou na Quarta-feira de Cinzas, dia 22. O horário de funcionamento de muitos estabelecimentos foi alterado. Antropólogos constatam que, em praticamente todas as culturas, existem rituais de rompimento com as normas, com as regras. E o Carnaval é justamente um desses rituais. Normalmente, o ano começa em 1º de janeiro. Mas podemos considerar também, conforme tradições mais antigas, que o ano começa depois duma quebra das regras. Acabamos de vivenciar o tempo do Carnaval, ou tempo do ritual de quebra de regras; um tempo para revigorar as próprias regras, quando elas novamente forem restituídas. Isso acontece muito especialmente aqui no Nordeste do Brasil, e especificando, em Salvador, em que o Carnaval é muito festejado.
As pessoas têm esse sentimento de que o ano só começa depois de passar o carnaval. Frei Tito já observava que o fenômeno do ano começar depois de carnaval está dentro da cultura latina. Uma cultura influenciada pela cultura católica que valoriza muito os ciclos. O cristianismo enquanto tal reassumiu muitas realidades religiosas e culturais pré-cristãs da Europa e foi fazendo um trabalho de re-significação dessas práticas. A verdade é que, em geral, as mudanças, são bem intencionadas, visando alterações para algo melhor, como começar um novo projeto, estudar ou coisas similares. Sendo estas intenções salutares, resta às pessoas se apegarem de forma mais efetiva à força de vontade e assumirem os projetos do ano novo.
A gratuidade da festa
A festa é gratuidade e se veste de cores, canções, dança, sonhos e utopias. É o segredo que dá força ao povo que sofre. A gratuidade é a virtude dar sem esperar nada em troca, apenas dar e sentir-se feliz. Se prestarmos bem atenção, a gratuidade é filha da humildade. Só quem sabe de coração que em tudo depende de Deus e de Deus tudo recebeu gratuitamente (humilde), também se sente impelido a imitá-lo: dar gratuitamente! "De graça recebestes, de graça dai!" (Mt.10,8) ou, como dizia Santa Teresinha do Menino Jesus: "Viver de amor é dar sem medida, sem nesta terra salário reclamar; sem fazer conta eu dou, pois convencida de que quem ama já não sabe calcular!"
No Brasil, a maior, mais criativa, mais irreverente e mais popular de todas as festas é sem dúvida o carnaval. Tal evento é adjetivado como a festa da liberdade que possibilita viver um momento longe do trabalho, das obrigações e deveres, proporcionando um encontro com excesso de prazer, riqueza, alegria, riso e sendo propriedade de todos. Para a realidade social do Brasil, esta festa é sinônima de alegria e gratuidade. O carnaval permite substituir o uniforme pela fantasia, comer e beber nas ruas, trocar a casa pelo mundo público, no qual o comportamento das pessoas que vão para a folia é dominado pela utopia da ausência de hierarquia repressora, onde a regra é a prática livre das atividades.
Portanto, o carnaval é uma festa que revela a alma brasileira e todos que gostam de brincar e participar devem mergulhar no seu espírito e aproveitar tudo de bom que essa festa pode proporcionar. Por isso que não convém ridicularizar o carnaval com preconceitos.
* Michael Mutinda, diácono e missionário da Consolata em Salvador - BA.
Fonte: Revista Missões